Página Inicial Saúde 95% dos cuidadores de pessoas com demência são mulheres – 02/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

95% dos cuidadores de pessoas com demência são mulheres – 02/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Quase 95% dos cuidadores de pessoas com demência no Brasil são mulheres, muitas delas sobrecarregadas, sem preparação adequada ou remuneração, afirma novo estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo a pesquisa, cerca de metade precisou abandonar o trabalho para assumir os cuidados com familiares.

Realizado com 381 participantes entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023, o estudo mostra que 93,6% dos cuidadores são mulheres, com idade média de 48,8 anos. Quase todas (94,9%) realizam o trabalho sem remumeração e 42,8% deixaram seus empregos para se dedicar integralmente ao cuidado.

Os dados revelam ainda que 85% relataram exaustão emocional, 78% cansaço físico constante e 62,5% disseram que o cuidado impactou negativamente sua vida pessoal. Mais de 46% se sentem despreparados para exercer a função.

É o caso de Roseneide de Jesus, 66, gari em Simão Dias, no interior de Sergipe. Separada do ex-marido há 20 anos, ela voltou a morar com ele neste ano, depois que o quadro de Alzheimer se agravou. “Ele saía de casa à noite achando que era de dia. Foi quando percebi que ele não podia mais ficar sozinho”, conta.

A decisão de assumir os cuidados com o ex, o aposentado José Fernando Rocha, 77, veio depois que a filha do casal, que também ajudava, teve uma gravidez de risco. Desde do ano passado, vive uma rotina exaustiva, se divide entre o trabalho de gari, que dura cerca de duas horas por dia, e a função de cuidadora.

“Quando a gente fala de cuidador, muita gente imagina que é alguém contratado, profissional. Mas o foco do nosso estudo é o cuidador informal, que é o familiar. Ele se descobre cuidador no meio de um processo difícil, quando percebe que não tem outra alternativa”, afirma o autor principal do estudo, neurologista Alan Cronemberger Andrade, professor na Faculdade de Medicina da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Roseneide, por exemplo, precisa improvisar. Administra os medicamentos do ex-marido escondidos na comida ou disfarçados como xaropes para gripe. “Ele diz que está emagrecendo por causa do remédio e se recusa a tomar. Às vezes tenho que enganar.”

O diagnóstico de Alzheimer aconteceu em 2024, após episódios de confusão durante corridas de táxi, quando ele ainda trabalhava como taxista. “Ele não lembrava o nome das ruas, não conseguia dar troco. Foi aí que a gente percebeu que alguma coisa estava errada.”

“Ele conversa com o espelho, diz que tem gente presa atrás da parede, já quebrou a parede tentando libertar o ‘homem do espelho’. Não dorme. Passa a noite andando pela casa, falando sozinho, esperando por alguém que nunca chega. Acorda achando que está no ponto de táxi, pronto para trabalhar”, diz.

Ela também relata também episódios de agressividade. “Ele me xinga, fala palavrão alto, às vezes os vizinhos acham que a gente está brigando. Mas eu fico quieta, deixo ele falar. Depois olho para ele e só consigo sentir dó. Ele não sabe mais quem é.”

Apesar do esforço, ela rejeita a ideia de internação. “Já falaram disso, mas eu não penso. Ele foi um bom pai, um bom marido. Nos separamos por bobagem, porque eu quis voltar para Curitiba, minha cidade natal. Mas ele não merece ser largado pela família. Só penso em cuidar dele até o fim.”

Segundo o estudo da Unifesp, 87% dos cuidadores trabalham sozinhos e apontam como principais necessidades o apoio financeiro (36,3%) e o compartilhamento das responsabilidades (33,1%).

Walter Teixeira, professor da Unifesp e também autor do estudo, reforça o impacto desse papel na vida das cuidadoras. “Geralmente são mulheres que deixam seus trabalhos ou estudos porque são obrigadas a assumir esse cuidado. Isso muda o destino de uma vida. Elas abdicam da própria trajetória sem nenhuma ajuda”, afirma.

Além da sobrecarga emocional, Walter destaca as exigências físicas da tarefa. “Tem que carregar, dar banho, trocar fralda. E isso somado à complexidade da doença e à falta de preparo”, diz.

Roseneide desistiu de planos, viagens ou mesmo descanso. Planeja reformar uma casa simples nos arredores de Simão Dias para viver com o ex-marido em um ambiente mais perto da natureza.

“Ele gosta de mexer na terra, de plantar. Se isso acalma ele, vou tentar. Comprei mudas de frutas, quero fazer um cantinho para ele. Não penso mais em mim, penso em como manter ele tranquilo, com alguma dignidade.”

Dados do Ministério da Saúde divulgados em 2024 apontam que cerca de 8,5% da população com 60 anos ou mais convivem com demência, o que representa um número aproximado de 1,8 milhão de casos. Até 2050, a projeção é que 5,7 milhões de pessoas recebam o diagnóstico no país.

Para Andrade, o papel do cuidador informal precisa ser valorizado, mas ele alerta que pacientes com demência também estão sujeitos à violência doméstica quando não são cuidados por alguém com preparo ou paciência. Isso porque, ao não compreender que comportamentos agressivos ou confusos fazem parte da doença, o cuidador pode reagir com agressividade.

Além disso, há riscos para a saúde do idoso. “Se o cuidador não entende a doença, pode administrar mal medicamentos, negligenciar comorbidades típicas da idade, como hipertensão ou diabetes. É um risco enorme para o paciente”, diz.

No Brasil, faltam iniciativas públicas para acolher idosos com Alzheimer durante o dia e permitir que suas famílias trabalhem e descansem. O país conta com apenas 183 centros-dia, espaços públicos onde os pacientes fazem sessões de música e fisioterapia, oficinas de estímulo cognitivo e refeições balanceadas, segundo estimativa feita pela Folha com base no Censo da Assistência Social de 2023. A maioria não tem foco em pessoas com demência.

O presidente Lula sancionou em junho de 2024 a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer, com diretrizes gerais de suporte aos pacientes e apoio aos cuidadores, mas o governo ainda não publicou um plano nacional de enfrentamento da doença.

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