Partiu do próprio Rick Doblin, fundador em 1986 da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), a melhor imagem do estado de espírito na conferência Psychedelic Science 2025, cujas palestras começaram nesta quarta-feira (18).
Há dois anos, na mesma cidade de Denver (Colorado, EUA), ele entrou no palco da plenária todo de branco, mas desta vez só o paletó e o tênis eram dessa cor. “Juntei um pouco de preto [camisa] e azul [blazer]”, gracejou, usando a expressão inglesa “black and blue” para alguém que tomou uma surra e saiu de olho roxo.
Ele se referia ao revertério sofrido pelo campo quando a agência de fármacos FDA rejeitou, em 2024, o pedido de psicoterapia apoiada por MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático. A decisão dos burocratas foi ela própria traumática, e o Doblin se disse pessoalmente arrasado.
A Maps já tinha capitulado ao mercado, cedendo seu setor de pesquisa clínica para investidores privados que o converteram na empresa Lykos, apenas para ver a firma fracassar no embate com a FDA. Foram água abaixo mais de três décadas no levantamento de fundos milionários de filantropia para custear os testes clínicos rejeitados.
A Maps, criada com a missão de reabilitar MDMA como medicamento, viu-se desfalcada de sua razão de ser. Assistiu também ao fluxo de caixa minguar, pois investidores passaram a ter a opção de apostar na causa dos psicodélicos com a perspectiva de lucro, com a proliferação de startups, não mais a fundo perdido.
Foi nesse clima que Doblin, ainda assim, manteve o discurso motivacional em Denver e disse que “o renascimento psicodélico está a salvo”. Recorreu à imagem da fênix levantada das cinzas e listou uma série de progressos recentes e investimentos da Maps, mas nada que se compare à façanha de realizar dois testes clínicos de fase 3 sem fundos oficiais de pesquisa, só com recursos de doadores.
Sim, no Oregon serviços de psilocibina já serviram cogumelos “mágicos” a 10 mil clientes desde 2023, quando entrou em prática a legislação estadual adotada por referendo em 2020. Mas o líder da Maps não mencionou o lado B dessa iniciativa, o custo proibitivo de US$ 1.500 para cima, que restringe o acesso e apequena o contingente de beneficiários, ínfimo perto dos 3 milhões de norte-americanos que padecem com depressão resistente aos tratamentos disponíveis.
Sim, Colorado e Novo México também adotaram leis estaduais facilitando acesso a psicodélicos, assim como a República Checa. O Texas e o Departamento de Defesa alocaram milhões em estudos como MDMA e ibogaína. Na Austrália, no Canadá e na Suíça há esquemas legais compassivos de acesso a MDMA e psilocibina.
Nada que se compare, entretanto, com a avalanche de flexibilização esperada em 2023 após aprovação pela FDA dada como certa. Ela não veio, e o tiro saiu pela culatra: empresas que investem em testes clínicos de psicodélicos passaram a minimizar o componente psicoterapêutico ou a eliminá-lo de todo, na esperança de apaziguar a FDA, uma solução fácil –e errada, como Doblin deplorou– para a dificuldade.
A defesa mais enfática da psicoterapia partiu de Rachel Yehuda, da Escola de Medicina Mount Sinai, para quem é imperativo manter a terapia, que sabidamente beneficia pacientes, e não retirá-la só para satisfazer a agência. “Não acho que a FDA tenha de regular a terapia; eles precisam entender o processo”, disse ela.
“Temos a obrigação ética de explicar os elementos que pensamos devem estar presentes.” Abrir mão da psicoterapia em testes clínicos com esses tratamentos inovadores equivaleria a testar uma nova técnica cirúrgica sem aplicar anestesia, ou seja, deixando o paciente sozinho na hora de lidar com a profusão de emoções, lampejos e imagens mediada pelo fármaco.
Ela crê que a flexibilidade de pensamento obtida com psicodélicos só terá sustentação com o processo terapêutico para incorporar no cotidiano as mudanças entrevistas como diques ao sofrimento. “Não acho que essas transformações se mantêm pelo efeito neurológico agudo de substâncias. Acho que foi aí que a psiquiatria se perdeu.”
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