Uma única infusão de um tratamento baseado em células-tronco pode ter curado 10 de 12 pacientes com a forma mais grave de diabetes tipo 1. Um ano depois, esses dez pacientes não precisam mais de insulina, e os outros dois precisam de doses muito menores.
O medicamento experimental, chamado zimislecel e fabricado pela Vertex Pharmaceuticals, de Boston (EUA), envolve células-tronco que os cientistas estimularam a se transformarem em células das ilhotas pancreáticas, que regulam os níveis de glicose no sangue. As novas células das ilhotas foram infundidas e chegaram ao pâncreas, onde se estabeleceram.
O estudo foi apresentado na sexta-feira (20) na reunião anual da Associação Americana de Diabetes e publicado no The New England Journal of Medicine.
“É um trabalho pioneiro”, disse Mark Anderson, professor e diretor do centro de diabetes da Universidade da Califórnia, em San Francisco. “Ficar livre da insulina muda a vida”, acrescenta ele, que não esteve envolvido no estudo.
A Vertex, como outras empresas farmacêuticas, recusou-se a anunciar o custo do tratamento antes da aprovação pela FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora americana.
Um porta-voz da Vertex disse que a empresa tinha dados apenas sobre a população estudada, então ainda não poderia dizer se o medicamento ajudaria outras pessoas com diabetes tipo 1.
Cerca de 2 milhões de americanos têm diabetes tipo 1, causada quando o sistema imunológico destrói as células das ilhotas. Um subconjunto de células das ilhotas, as células beta, secretam insulina. Sem insulina, a glicose não pode entrar nas células. Pacientes com diabetes tipo 1 devem injetar doses cuidadosamente calibradas do hormônio para substituir a insulina que falta em seu corpo.
O diabetes tipo 1 é diferente do diabetes tipo 2, mais comum, que geralmente ocorre mais tarde na vida.
Controlar os níveis de insulina é um esforço constante e muitas vezes custoso. Níveis elevados de açúcar no sangue podem danificar coração, rins, olhos e nervos. Mas, se os níveis caírem muito, as pessoas podem se sentir trêmulas, desmaiar ou ter convulsões.
Os pacientes do estudo estão entre os estimados 30% com uma complicação do diabetes tipo 1 —a hipoglicemia assintomática. Aqueles com essa condição não têm nenhum aviso quando seus níveis de glicose estão caindo vertiginosamente. Eles não apresentam sinais como tremores e sudorese, que podem indicar a necessidade de glicose.
Pacientes com hipolglicemia assintomática podem subitamente desmaiar, ter convulsões e até morrer.
“É uma forma assustadora de viver”, diz Trevor Reichman, diretor do programa de transplante de pâncreas e ilhotas da University Health Network, um hospital em Toronto, e primeiro autor do estudo.
“Você se preocupa o dia todo, todos os dias, com sua glicose, o que come e quando se exercita”, acrescenta.
Os pacientes no estudo começaram a precisar de menos insulina dentro de alguns meses após serem infundidos com novas células das ilhotas, e a maioria parou de precisar do hormônio completamente por volta de seis meses, diz Reichman.
Ele acrescenta que os episódios de hipoglicemia dos pacientes desapareceram nos primeiros 90 dias de tratamento.
Se o estudo continuar a mostrar resultados positivos, a empresa espera submeter um pedido ao FDA (agência reguladora dos EUA) no próximo ano.
“A curto prazo, isso parece promissor” para pacientes gravemente afetados como os do estudo, diz Irl B. Hirsch, especialista em diabetes da Universidade de Washington que não esteve envolvido no estudo.
Mas os pacientes no ensaio tiveram que continuar tomando medicamentos para impedir que o sistema imunológico destruísse as novas células. Suprimir o sistema imunológico, diz ele, aumenta o risco de infecções, e a longo prazo pode aumentar o risco de câncer.
“O argumento é que essa imunossupressão não é tão perigosa quanto a que normalmente usamos para rins, corações e pulmões, mas não saberemos isso definitivamente por muitos anos”, fala Hirsch.
Os pacientes podem ter que tomar os medicamentos imunossupressores pelo resto de suas vidas, diz o porta-voz da Vertex.
25 ANOS DE PESQUISA
O tratamento é parte de um trabalho que começou há mais de 25 anos, quando um pesquisador de Harvard, Doug Melton, prometeu encontrar uma cura para o diabetes tipo 1. Seu filho de 6 meses desenvolveu a doença e, depois, sua filha adolescente também. Sua paixão era encontrar uma maneira de ajudá-los e outros pacientes.
Ele começou com uma “crença inabalável de que a ciência pode resolver os problemas mais difíceis”.
Foram necessários 20 anos de trabalho meticuloso, repetitivo e frustrante por Melton e uma equipe de cerca de 15 pessoas para encontrar o coquetel químico certo para transformar células-tronco em células das ilhotas. Ele estima que Harvard e outros gastaram US$ 50 milhões na pesquisa.
Peter Butler, professor de medicina na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e consultor da Vertex, disse que ficou impressionado com a conquista da equipe de Harvard.
“O fato de que funcionou é simplesmente incrível para mim”, afirmou. “Posso garantir que houve mil experimentos negativos para cada um positivo.”
Quando Melton finalmente teve sucesso, ele precisava de uma empresa para levar a descoberta à clínica. Ele se juntou à Vertex, que aceitou o desafio.
O primeiro paciente a receber a terapia experimental, Brian Shelton, recebeu uma infusão em 2021. Ele havia sido atormentado por episódios de queda acentuada do açúcar no sangue que o faziam perder a consciência. Uma vez ele bateu sua motocicleta em uma parede, e outra vez desmaiou em um quintal enquanto trabalhava em sua rota de entrega de correspondência.
A infusão o curou, mas ele morreu pouco depois do que a Vertex descreve como sintomas de demência que começaram antes de seu tratamento.
O recrutamento dos 12 pacientes no novo relatório prosseguiu lentamente, diz Reichman, devido aos requisitos rigorosos de entrada. Alguns que se qualificaram desistiram quando souberam que teriam que tomar medicamentos imunossupressores, acrescentou.
Uma das que se juntou, Amanda Smith, uma enfermeira de 36 anos, diz que aproveitou a oportunidade de entrar no ensaio. Seis meses após a infusão, ela não precisava mais de insulina. “É como uma vida totalmente nova.”