No Brasil, faltam iniciativas públicas para acolher idosos com Alzheimer durante o dia e permitir que suas famílias trabalhem e descansem.
O país conta com apenas 183 centros-dia, espaços públicos onde idosos fazem sessões de música e fisioterapia, oficinas de estímulo cognitivo e refeições balanceadas, segundo estimativa da reportagem com base no Censo da Assistência Social de 2023. A maioria não tem foco em pessoas com demência.
Em Volta Redonda (RJ), a prefeitura criou, em 2014, o Centro de Alzheimer Synval Santos, um dos únicos no Brasil voltado especificamente para idosos com diagnóstico de Alzheimer.
De segunda a sexta, uma van busca em casa aqueles com maior dificuldade para chegar ao Centro por meios próprios.
Na manhã gelada de 12 junho, a turma de quinta-feira ia contando piadas e cantando sucessos do passado, como as canções “Foi um rio que passou em minha vida”, “Madalena do Jucu” e “Carinhoso”. O clima era leve. Um deles, o metalúrgico Paulo, 82, tocava pandeiro.
Chegando ao centro, os idosos tomam café da manhã e participam de uma roda de música. Os mais desinibidos dançam em pares. Depois do almoço, aula de fisioterapia e oficina de estimulação cognitiva oferecida por uma psicóloga. Por volta das 16h, eles são levados de volta às famílias.
“Estava entrando em depressão. Minha vida estava se tornando a vida da minha mãe”, diz Márcia Dantas, 59, dona de casa.
Nos estágios iniciais da doença, a mãe Maria Orquiza (85), tinha lapsos de memória. Depois, começou a queimar a comida nas panelas e a deixar estranhos entrarem em casa. “Duas vezes eu cheguei no apartamento dela e encontrei gente dentro”, relata a filha.
Aos poucos, a rotina foi sendo consumida pelas tarefas de cuidado: cozinhar, limpar a casa, lavar e passar as roupas, ajudar a mãe a tomar banho, vigiá-la para evitar quedas. Depois de conseguir atendimento no centro especializado, foi possível descansar um pouco e ter tempo de autocuidado.
“Nesses dias que a minha mãe vem aqui, eu tiro para sair, tomar um café com meus amigos”, diz a moradora de Volta Redonda, que relata ter feito também um curso de venda de seguros. “Eu tenho aquele momento para mim, porque até então era só direto com ela.”
Há pouco menos de dois anos, um painel de especialistas contratados pelo Ministério da Saúde estimou que a demência atingirá 8,8 milhões de brasileiros em 2060. O Alzheimer, doença neurodegenerativa incurável que ataca a memória, a capacidade cognitiva e, nos estágios finais, também a capacidade motora, responde por cerca de 70% dos casos.
O impacto é maior sobre as mulheres, que são 9 em cada 10 cuidadores, segundo algumas amostras, e famílias pobres, que não têm recursos para contratar cuidadores profissionais ou serviços de creche para idosos.
Muitos cuidadores apresentam sintomas de depressão, ansiedade e problemas na coluna devido à sobrecarga física e emocional. Lutam contra a falta de informação, às vezes tendo que se instruir sobre a doença pela internet.
O SUS (Sistema Único de Saúde) já fornece remédios para retardar a progressão do Alzheimer, lembra o diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp, Luiz Ramos, mas ainda falta planejar os cuidados, e os centros-dia podem ser uma alternativa.
“O sistema público vai ter que se desenvolver nessa área, porque o número de dementes só vai crescer”, afirma. “Você faz um diagnóstico de Alzheimer aos 70 anos e a pessoa é capaz de viver mais dez anos. Quem cuida?.”
Centros de cuidado específico para idosos com Alzheimer são uma exceção. A maior parte dos centros-dia públicos atende pessoas idosas em vulnerabilidade social e com grau de dependência, cujas famílias não tenham condições de oferecer o cuidado necessário durante o dia. Acabam acolhendo também idosos com Alzheimer, mas não é o ideal.
“Seria importante que houvessem equipamentos especializados, porque é um cuidado diferenciado, mais intenso”, diz Claudia Reinoso, terapeuta ocupacional que lidera o grupo de pesquisa em envelhecimento humano da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Nem sempre as equipes dos centros-dia estão capacitadas para essa condição”, completa a professora. O Instituto de Psiquiatria da UFRJ também mantém um centro-dia de atendimento a idosos com Alzheimer no campus da Praia Vermelha.
Em Volta Redonda, conforme o idoso evolui para estágio mais avançado da doença, a equipe do Centro de Alzheimer faz seu desligamento gradual. Por cerca de 8 meses, reduz-se o tempo de permanência diária, discutindo os próximos passos com a família e encaminhando o idosos para especialistas do SUS.
A prefeitura investe R$ 700 mensais por pessoa atendida no local, segundo estima a coordenadora da unidade, a psicóloga Danielle Freire.
O presidente Lula sancionou em junho de 2024 a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer, com diretrizes gerais de suporte aos pacientes e apoio aos cuidadores, mas o governo ainda não publicou um plano nacional de enfrentamento da doença.