Restrições de viagens e vistos impostas pelo governo de Donald Trump ameaçam atendimento a pacientes em centenas de hospitais dos Estados Unidos que dependem de residentes médicos recrutados em outros países.
Residentes médicos estrangeiros costumam atuar como linha de frente em hospitais movimentados em comunidades de baixa renda dos EUA. Os profissionais começariam a trabalhar em 1º de julho, mas alguns dos programas de orientação já começaram em junho.
Parte dos hospitais destinados a moradores com menores condições financeiras está correndo para evitar a escassez de pessoal, relata o jornal The New York Times.
“Se os médicos formados em outros países não puderem começar suas residências médicas até 1º de julho, as consequências serão tão graves que é quase inconcebível”, diz Kimberly Pierce Burke, diretora executiva da Aliança de Centros Médicos Acadêmicos Independentes.
Residentes mais velhos deixam os hospitais em junho para iniciarem suas carreiras, completa ela. Os hospitais dependem de novos residentes para repor seus quadros. “Se eles não vierem em 1º de julho, isso deixará uma lacuna na equipe de atendimento ao paciente”, diz Burke. “Quem vai compensar a falta?”
Em 27 de maio, o governo Trump suspendeu novos agendamentos de entrevistas para estrangeiros solicitantes de vistos J-1 —destinados para participantes de programas de intercâmbio cultural ou educacional e utilizados pela maioria dos residentes médicos vindos do exterior.
No dia 11 de junho, foi derrubada a suspensão dos agendamentos para visto, de acordo com uma autoridade do departamento de estado que falou anonimamente para discutir uma mudança de política interna. Não ficou claro quantos, nem quando, os médicos poderiam receber seus vistos.
O processo agora inclui “uma verificação aprimorada das mídias sociais“, com o objetivo de descobrir potenciais riscos à segurança, informa a autoridade.
O governo dos EUA também proibiu ou restringiu viagens de 19 países para os Estados Unidos. As restrições podem ser estendidas a mais 36 países, incluindo muitas nações africanas, caso não cumpram as exigências americanas em relação a vistos de permanência excedidos e questões de segurança.
As proibições e restrições foram motivadas pelo compromisso de “proteger a nação e seus cidadãos, mantendo o mais alto padrão de segurança nacional e segurança pública por meio do processo de visto”, afirma o funcionário do departamento de estado em anônimo.
Médicos estrangeiros de países abrangidos pelas proibições e outras restrições poderiam solicitar uma “exceção de interesse nacional”, segundo o departamento de estado. Não ficou claro como esse processo se desenrolaria.
O sistema médico dos EUA depende fortemente de profissionais de outros países. Um em cada cinco médicos americanos nasceu e estudou no exterior, de acordo com a Associação de Faculdades Médicas Americanas.
Novos médicos de outros países representam 1 em cada 6 residentes e especialistas em hospitais universitários dos EUA. Em 2024, a Comissão Educacional para Graduados Médicos Estrangeiros patrocinou mais de 15.500 médicos de mais de 150 países para preencher vagas de residência ou especialização em 770 hospitais norte-americanos.
Residentes são recém-formados em medicina que concluem a graduação trabalhando por vários anos sob a supervisão de médicos mais experientes, adquirindo experiência e habilidades necessárias para diversas especialidades. Eles costumam trabalhar até 80 horas por semana, em média, com salários relativamente baixos.
Muitos médicos residentes estrangeiros permanecem e constroem suas carreiras nos Estados Unidos. A maioria ingressa em áreas de atenção primária, como clínica médica, medicina de família e pediatria, áreas carentes que os médicos americanos formados tendem a evitar.
Muitos dos 6.653 médicos estrangeiros aceitos para vagas de residência nos Estados Unidos este ano já haviam garantido o visto antes de 27 de maio. Aqueles de países proibidos que já estão no país podem permanecer.
Mas estima-se que, pelo menos, mil médicos residentes não conseguiram obter vistos que lhes permitissem trabalhar nos Estados Unidos. As vagas terão efeitos díspares sobre os hospitais, dependendo de sua forte dependência de talentos médicos estrangeiros.
No Brookdale Hospital Medical Center, no bairro do Brooklyn, em Nova York, pessoas formavam fila para atendimento de emergência no início de junho. O saguão fervilhava de pacientes aguardando atendimento.
Como muitos hospitais em comunidades carentes, Brookdale depende muito de médicos formados internacionalmente, que não são cidadãos dos EUA, para trabalhar nos andares médicos e pediátricos, bem como nas clínicas ambulatoriais.
“É uma situação de esperar para ver”, afirma Christos Paras, que supervisiona o programa de residência, em uma entrevista. “Simplesmente não sabemos qual será o impacto.”
“Temos moradores literalmente de todo o mundo”, acrescenta. “Não estou exagerando —de todos os continentes.”
O programa de residência em clínica médica da Brookdale depende de médicos estrangeiros formados para preencher cerca de 90% dos 55 cargos. Até o momento, dois estrangeiros foram impedidos de entrar no país, diz Conrad Fischer, diretor do programa.
“Se faltarem duas ou três pessoas, posso sair e preencher as vagas”, acrescenta Fischer. “Mas, no ano que vem, não estamos falando de faltar duas ou três —estamos falando de faltar milhares.”
Se as restrições de viagem forem mantidas, “o programa acabará”, completa ele.
Hospitais e clínicas em áreas rurais do país já enfrentam dificuldades para recrutar graduados de faculdades de medicina dos EUA para seus programas de residência e dependem fortemente de graduados internacionais.
Novos médicos estrangeiros não estão ocupando vagas de residência de graduados em faculdades de medicina americanas. Pelo contrário: este ano, cerca de 40 mil vagas de residência foram oferecidas pelo sistema nacional de seleção, mas apenas 28 mil graduados em faculdades de medicina americanas se inscreveram. Residentes estrangeiros preenchem uma escassez crucial de mão de obra.
Os hospitais não podem sobrecarregar os residentes e, caso façam, podem perder seu credenciamento como instituições de ensino médico. Um número insuficiente de residentes também pode custar para estas instituições verbas do Medicare vinculadas à educação médica de pós-graduação.
Os médicos estrangeiros formados no exterior que ingressam nos programas de treinamento dos EUA são “bem treinados, bem qualificados e motivados”, explica Douglas DeLong, médico que trabalhou em programas de treinamento no estado de Nova York.
“Esta é a nova geração de médicos para os americanos”, acrescenta. “Estes são os médicos que cuidarão de nós à medida que envelhecemos. Eles são o futuro da medicina.”