Um estudante de 20 anos morreu no último dia 6 enquanto completava o percurso de 21 km na Maratona Internacional de Porto Alegre. João Gabriel Hofstatter De Lamare teve um mal súbito e parada cardiorrespiratória 1 km antes do fim da prova.
Algumas semanas antes, em 20 de maio, uma jovem de 22 anos morreu em uma academia depois de ter um mal súbito enquanto treinava. A polícia investiga se Dayane de Jesus tinha doenças cardiovasculares.
A recorrência de notícias sobre mortes de jovens durante práticas de atividade física assusta. O presidente do grupo de estudos em cardiologia do esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia Antonio Carlos Avanza diz que, na sua vivência médica, nota um aumento, apesar de ainda não haver uma estatística que aponte o crescimento.
Ainda assim, as mortes são raras. O maior estudo sobre corridas de rua, publicado no New England Journal of Medicine, analisou 10,9 milhões de corredores de 2000 a 2010 e apontou 1 parada cardíaca para cada 184 mil participantes. Do total de 59 casos, 71% foram fatais, o que equivale a 1 morte a cada 259 mil atletas.
Avanza diz que um possível aumento no número de pessoas praticando atividades físicas extenuantes e novos fatores de risco acabam levando a uma recorrência maior de mortes.
Correr uma meia-maratona pode matar?
O cardiologista reforça que fazer exercício físico não faz mal. “Pelo contrário. Morre mais quem é sedentário”. O risco de danos cardiovasculares diminui em pessoas que fazem atividades físicas. Contudo, quanto mais extenuante a atividade é, o risco de dano ao coração é maior.
O fenômeno pode ser observado na hipótese da “curva em J”, criada pelo pesquisador David Nieman. Ela descreve a relação entre a intensidade do exercício e o risco de adquirir infecções do trato respiratório superior (ITRS). A hipótese sugere que o exercício moderado tem a capacidade de melhorar a função imunológica acima dos níveis sedentários, enquanto o exercício de alta intensidade o deprime.
“A curva em J diz que, se você fica sedentário, você morre mais. À medida que você vai fazendo atividade física moderada, você previne doença cardiovascular. Depois de um certo ponto de atividade física, ou seja, quando há excesso de exercício, você volta a ter um aumento de mortalidade”, explica Avanza, que usa a hipótese para explicar a questão cardíaca.
O cardiologista diz que atletas profissionais possuem maior risco de desenvolver doenças como fibrose, arritmia cardíaca e miocardiopatia.
Grande parte dos casos de morte durante práticas de atividades físicas extenuantes estão ligados aos fatores de risco. Ainda entre as mortes estudadas na pesquisa publicada no New England Journal of Medicine, a miocardiopatia hipertrófica (doença hereditária que causa um espessamento do músculo do coração) respondeu por 65%, seguida de doença coronariana.
Avanza diz que gatilhos ambientais, como a temperatura e a desidratação, também são fatores de risco.
O cardiologista diz que, somado há isso, está também o uso de medicamentos, como as anfetaminas, esteroides e anabolizantes, para aumentar a performance ou até usados em tratamentos de TDAH.
“Hoje é muito comum usar anfetaminas para aumentar a performance. Isso pode ser o gatilho. Então, esses indivíduos têm uma arritmia, chamada fibrilação ventricular, ou uma parada ventricular sem impulso, e entram em colapso”, afirma.
Prevenção
Antonio Carlos Avanza diz que o problema do jovem, ao fazer atividades extenuantes, é acreditar que não está suscetível aos mesmo risco de problemas cardíacos de pessoas mais velhas: “Nem todo mundo tem condição [de fazer atividades físicas extenuantes]. Esse jovem que quer fazer triatlo ou corrida tem que ser submetido a um exame simples, que já aumenta em muito a probabilidade de detectar se tem algum problema de predisposição à morte súbita”.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda que todos que forem começar ou que já pratiquem atividade física passem por uma consulta médica com avaliação física e façam um eletrocardiograma (ECG). Após os 35 anos, também deve-se fazer um teste de esforço.
Januário Pardo Mêo, cardiologista eletrofisiologista pela USP, aponta também a necessidade de conferir a estrutura da prova ou do local de exercício em questão. Veja cinco recomendações:
1. Check-up esportivo individualizado: fazer avaliação cardiológica e eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma ou teste ergométrico se houver histórico familiar ou sintomas
2. Planejamento de prova e treinamento: respeitar limites, hidratar-se adequadamente e intercalar dias de descanso
3. Estrutura de emergência em eventos: checar se o evento ou o local de treinamento possui desfibrilador externo automático (DEA) acessível em até três minutos e equipes treinadas em reanimação cardiopulmonar (RCP)
4. Atenção a sinais de alerta: dor no peito, falta de ar desproporcional, tontura ou palpitações são motivo para parar imediatamente e buscar socorro.