Um grupo de especialistas nomeado pelo secretário de saúde americano, o cético das vacinas Robert F. Kennedy Jr., iniciou seus trabalhos nesta quarta-feira (25) sob críticas após citar, em uma apresentação, um estudo que não existe.
O Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP) é um órgão crucial que assessora a principal agência de saúde do país, o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). Kennedy Jr. demitiu recentemente os 17 membros do comitê, acusando-os de conflitos de interesses financeiros, e anunciou a nomeação de oito novos integrantes, alguns deles controversos, como um bioquímico contrário às vacinas.
No cronograma do comitê estava prevista uma discussão sobre vacinas que contêm timerosal, um conservante à base de mercúrio. Embora tenha sido removido da maioria das vacinas infantis em 1999 devido a preocupações públicas, a substância ainda é usada em algumas vacinas contra a gripe e estudos não encontraram riscos em doses baixas.
Lyn Redwood, enfermeira e ex-diretora da Children’s Health Defense (organização antivacina cofundada por Kennedy Jr.), faria uma apresentação sobre o tema nesta quinta-feira (26).
Cientistas, no entanto, notaram que seus slides citavam um suposto estudo de 2008, de autoria de RF Berman, intitulado “Exposição neonatal a baixos níveis de timerosal: consequências de longo prazo no cérebro”.
O estudo não existe. Berman publicou um artigo naquele ano, mas em uma revista diferente, e não encontrou evidências ligando o timerosal a condições como autismo. A apresentação foi então discretamente cancelada e substituída sem explicações.
Ciência revisitada
O diretor do novo painel é Martin Kulldorff, um dos signatários da Declaração de Great Barrington, que em outubro de 2020 pediu o fim dos lockdowns, meses antes de as vacinas contra a Covid-19 estarem disponíveis.
Ao abrir a reunião, Kulldorff lamentou sua demissão da Universidade Harvard por se recusar a tomar a vacina contra a Covid. Ele também anunciou a criação de um grupo de trabalho para reavaliar a recomendação de vacinar bebês contra hepatite B “no dia do nascimento”.
Especialistas reagiram com ceticismo.
“A justificativa para a vacinação contra hepatite B antes da alta hospitalar (não necessariamente no dia do nascimento) está bem documentada. Mas é uma das bandeiras do movimento antivacinas, então não surpreende”, disse Amesh Adalja, especialista em doenças infecciosas da Universidade Johns Hopkins.
Paul Offit, especialista em vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, destacou: “Estudo após estudo mostrou que o etilmercúrio dessas vacinas nunca contribuiu de forma relevante para a exposição ao mercúrio que já enfrentamos no ambiente”.
Surto de sarampo
O painel também discutiu a vacina combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela (MMRV). Atualmente, os pais podem optar por essa versão do imunizante ou por duas injeções separadas (tríplice viral + varicela). A versão única evita uma picada extra, mas tem um risco ligeiramente maior de convulsões febris —um efeito raro e geralmente inofensivo.
Especialistas questionam por que o tema está sendo revisitado, já que a separação das vacinas já é recomendada para a primeira dose em crianças de 1 a 4 anos. Kulldorff sugeriu ainda revisar o calendário da tríplice viral para acomodar objeções religiosas de alguns pais.
Os EUA, que declararam o sarampo erradicado em 2000, enfrentam atualmente o pior surto em décadas, com mais de 1.200 casos e três mortes confirmadas.
As recomendações do comitê podem ter impactos significativos, como a exigência de vacinas em escolas e a cobertura por planos de saúde.