Coleções de brinquedos, como ‘bebês reborn‘ e Labubus, além de livros de colorir ‘Bobbie Goods‘, estão em alta e viralizando nas redes sociais. Mas o hobby não é de hoje. Barbies, miniaturas de carrinhos e bonecos de ação se tornaram objeto de desejo há décadas e acompanham alguns adultos até os dias de hoje.
Especialistas afirmam que a escolha de qual objeto colecionar é subjetiva e, muitas vezes, até mesmo inconsciente. Maria Lívia Tourinho Moretto, professora titular e chefe do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) diz que, se você perguntar para uma pessoa o motivo de ela colecionar carrinhos, ela dirá algo socialmente aceito, e não o que de fato é.
Muitas vezes, a pessoa não sabe —conscientemente— o porquê é atraída por aquele objeto específico. Por isso, duas coleções iguais de barbies, sempre serão únicas. “Cada objeto tem uma relação afetiva e conversa com a sua história, um momento seu ou alguma preferência”, explica o sociólogo, professor e pesquisador Luís Mauro Sá Martino.
Martino fala que cada coleção tem um percurso narrativo, isto é, conta uma história ou diz algo sobre uma parte da vida daquele colecionador. “Toda coleção tem uma lógica interna que só quem coleciona sabe”, complementa, dizendo que a coleção é um impulso afetivo do psiquismo.
A influenciadora Fernanda Tumas, 29, coleciona itens da Disney, e um deles são bonecos Funko Pop. Ela lembra que o primeiro que comprou foi um da cinderela, em uma viagem que fez há aproximadamente seis anos.
“Eu descobri na parte de trás da caixa que existiam outros da mesma coleção. E aí virou um ciclo sem fim, né? Eu nunca mais parei, é um caminho sem volta”, conta ela, que hoje tem 160 funkos.
Os preferidos de Fernanda são as edições limitadas e especiais, como as de aniversário ou dourados, que são raros. Inclusive, ela tem diferentes versões do mesmo personagem.
E os funkos têm uma lógica de organização na estante de Fernanda : por ordem cronológica da data de lançamento dos filmes dos personagens. A ideia veio quando mudou de casa e estava revendo seus filmes favoritos das princesas da Disney, também nessa ordem.
A influenciadora diz que sempre teve paixão por tudo que envolve Disney e que coleciona outras coisas também, como tiaras de orelhas da Minnie e pelúcias. Para ela, poder ter as coleções é a realização de seu sonho de infância.
“Quando criança, tinha o sonho de ter as barbies das princesas, eu nunca tive. Agora que posso comprar as minhas bonequinhas, é maravilhoso. Eu não estou comprando para brincar, mas é muito gostoso conquistar as nossas coisas”, afirma Fernanda.
O arquiteto Mário Theodoro, 56, coleciona miniaturas de carros. A paixão também vem da infância. “Eu não tinha condições de ter carrinhos, aí ganhei três Hot Wheels, mas não tinha como ter coleção. O tempo passou e encontrei uma miniatura de uma SUV vermelha, foi quando comecei a colecionar.”
No começo, ele comprava para o filho brincar e, depois que a criança perdia o interesse, guardava. A escolha de qual miniatura vai comprar depende do interesse que ele tem na época, principalmente os temáticos de filmes, séries e animações, como o que tem de “Supernatural” e a réplica do carro do Dwight, de “The Office” que comprou para sua filha.
Em um período, começou a colecionar figuras de ação, que agora foram herdadas pelo seu filho. “Já colecionei também revistas em quadrinhos e tudo. Até que eu tive que me desfazer, né? Tinha, assim, porque, ah, perdeu o interesse.”
A paixão dele mesmo é por carros, mas diz que, já que não pode comprar os de verdade, transfere para os de brinquedo. Ele não contou quantas miniaturas tem —além de quatro estantes pequenas, tem também caixas com as que ainda não expôs.
Outro apaixonado por carros desde pequeno, Alexandre Zerbinato, 21, também coleciona as miniaturas. Seu pai trabalhou por trinta anos na Volkswagen de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, o que o fez se conectar com o mundo automotivo.
Quando criança, gostava de brincar com carrinhos, mas à medida que foi crescendo percebeu que gostava realmente de carros e de colecionar as miniaturas.
Nas viagens que fez para a Europa, ele procurou passar por lugares tradicionais do automobilismo, como Stuttgart, na Alemanha, e Bologna, na Itália, para comprar as miniaturas das marcas dos locais.
Ele também se orgulha de fazer a coleção —que tem entre 80 e 100 carrinhos— como um hobby, e não ser tão metódico ou levá-la tão a sério. “Eu sinto que é super legal ter, mas não é o que dita a minha vida. Claro, se alguém viesse aqui e martelasse a minha coleção, eu ia ficar triste, mas eu não ia morrer.”
A psicóloga Maria Lívia Tourinho Moretto relata que podem existir pessoas que colecionam pelo desejo de posse, de completar uma série de objetos com valor afetivo, psíquico e até financeiro. Sempre lembrando que cada caso é um caso único, podem existir diferentes motivos que levam alguém a se tornar um colecionador.
O hobby pode também dizer respeito apenas a um gosto, uma brincadeira ou uma forma de pertencer a um grupo, conta a psicóloga. “E existem pessoas que tendem a colecionar porque a ideia de comprar ou guardar esses objetos pode estar relacionada à ideia de repor algo que foi perdido“, explica.
O primeiro objeto colecionado, nesses casos, é a tentativa de repor o que a psicanálise chama de objeto perdido. Não é um objeto literal, como um carrinho de brinquedo que se perdeu, mas um objeto psíquico, simbólico, e muitas vezes inconsciente.
O sociólogo Luís Mauro Sá Martino destaca outra dimensão da coleção, que é a social. “Em primeiro lugar, socialmente, a gente coleciona o que pode, não o que a gente quer. E colecionar também significa compartilhar esse afeto com pessoas que têm a mesma coleção que você.”
O sentimento de pertencer a um grupo social é algo muito forte em uma coleção, explica o sociólogo, mas não significa que as relações são sempre amistosas. É comum haver disputas, busca por reconhecimento e se colocar em um nível de respeito como colecionador, como ter e mostrar um item raro.
A relação afetiva do colecionador com o objeto o difere de alguém que compra muitos objetos apenas pela moda. A moda, como diz Martino, está ligada à imitação. Quando vemos alguém fazendo algo que julgamos legal, tendemos a imitar. “Quando a moda passa, eu que não tenho nenhum grande vínculo com aquilo, mas estou apenas imitando, abandono a moda. Por isso que as modas vêm e vão.”
O estilista e tiktoker Luís Munhoz, 27, entrou na onda dos Labubus —pelúcias que parecem monstrinhos— ainda quando eles eram desconhecidos no Brasil. “Como trabalho com moda, sempre fico atento ao que está acontecendo em termos de comportamento de consumo pelo mundo”, diz.
Ele comprou sete pelúcias por sites chineses na internet, pensando em fazer unboxing e viralizar nas redes sociais, como viu outros influenciadores fazendo. Desde então, ele começou a usar os bonecos pendurados em suas bolsas, mas por enquanto não sente vontade de prolongar a coleção. “Acho que o desejo, quando vem muito rápido, também vai embora rápido, como o ciclo de algumas tendências mesmo”, conta o estilista.
Uma questão que muitos que não colecionam podem se indagar é se esse comportamento é algo saudável. Segundo Moretto, essa é uma linha tênue e não pode ser dita apenas vendo uma determinada coleção. “A coleção pode ser uma coisa muito saudável do ponto de vista do laço social”, afirma.
Para a psicóloga, mesmo quando o objeto colecionado entra para repor algo que falta, por si só não é um problema, quando simbólico e metafórico. Em casos de luto, pode até ajudar a facilitar a elaboração da morte.
“O problema é quando aparece o risco de tomar aquele objeto como sendo o próprio objeto perdido mesmo. Quando isso acontece, ele não me dá chance de elaboração da perda”, afirma.