Aos 67, já vi de tudo acontecer e também o seu contrário. Vi LSD ser criminalizado nos anos 1970 depois de adotado por hippies pacifistas contra a Guerra do Vietnã. Agora vejo MDMA (ecstasy) em vias de ser ressuscitado por um antivaxxer, Robert F. Kennedy Jr., para domesticar a loucura da máquina bélica norte-americana.
Há cerca de 16 milhões de veteranos de guerra vivos nos Estados Unidos. Pelo menos um terço dos ex-combatentes passou por transtornos mentais em algum momento. Estresse pós-traumático é 15 vezes mais comum entre eles do que na população. Pelo menos 18 cometem suicídio a cada dia, mas com a subnotificação tal cifra pode ser de 24 por dia.
Políticos conservadores como o republicano Rick Perry, ex-governador do Texas, têm lugar garantido para discursar na conferência Psychedelic Science, com o beneplácito do xará Rick Doblin (leia reportagem domingo no caderno Ilustríssima da Folha). Doblin, um pacifista, fundou a ONG Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) em 1986 justamente para reabilitar MDMA como remédio.
Sua cruzada milionária de quatro décadas, toda ela financiada com doações filantrópicas, sucumbiu diante da cortina de ferro erguida pela agência de fármacos FDA. Em agosto passado, a startup Lykos que brotara da Maps teve rejeitado seu pedido de licença para tratar transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) com psicoterapia apoiada por ecstasy.
Mas isso foi antes da eleição de Donald Trump, que escolheu RFKJr para secretário de Saúde do governo, montado na plataforma pouco original MAHA (Make America Healthy Again, torne os EUA saudáveis de novo). No tsunami irracionalista, ele conquistou os adeptos mais tresloucados do agente laranja com fantasias conspiratórias sobre alegados malefícios de vacinas.
RFKJr é simpático à pesquisa com substâncias psicodélicas para transtornos mentais. Sabatinado no Senado há poucos dias, ele disse que a Administração de Veteranos (VA, órgão federal) tem 11 testes clínicos em andamento para apresentação a reguladores da FDA.
“É criticamente importante garantirmos que a ciência sobre isso seja sólida. Os resultados preliminares são muito, muito encorajadores”, declarou Kennedy Jr. Disse ainda ter ouvido de Martin Makary, diretor que empossou na FDA, que não dá para esperar mais dois anos, e informou que trabalha para ter o caso resolvido em um ano.
A fala tem sido interpretada como indicativo de que a FDA não manterá a exigência de um novo ensaio clínico de fase 3 para licenciar MDMA para TEPT. Isso consumiria no mínimo um ano e meio, mais dezenas de milhões de dólares que a Lykos não tem, fora o tempo para análise dos dados e submissão de novo requerimento. A estimativa anterior era que o processo sofreria atraso de até cinco anos após a decisão desfavorável.
Para não deixar dúvidas, RFJ+KJr xuitou: “Terapias psicodélicas demonstram promessa real para veteranos e outros que lutam com traumas. Estamos acelerando testes clínicos na FDA, com urgência, e trabalhando para assegurar acesso seguro, baseado em ciência, dentro de 12 meses. Algumas terapias não podem esperar”.
Logo, logo algum maluco –coisa que não falta hoje em dia, nos EUA como alhures– vai propor que MDMA seja incluído como profilático nos kits fornecidos a soldados norte-americanos enviados ao estrangeiro para promover guerras que não lhes dizem respeito. “Balas”, como o ecstasy é chamado nas raves, para matar mais e melhor, sem traumas.
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