Página Inicial Saúde Morre Jonathan Ott, apóstolo da jurema e de enteógenos – 06/07/2025 – Virada Psicodélica

Morre Jonathan Ott, apóstolo da jurema e de enteógenos – 06/07/2025 – Virada Psicodélica

Publicado pela Redação

Aos 76 anos, morreu no sábado (5) o químico norte-americano Jonathan Ott. Foi entusiasta da dimetiltriptamina (DMT) extraída da árvore da caatinga jurema-preta (Mimosa tenuiflora) e um dos inventores do termo “enteógeno”, que preferia a “psicodélico” por indicar a manifestação interior de algo divino.

Ott publicou várias obras sobre psicodélicos (cito cinco delas no meu “A Ciência Encantada de Jurema”, lançado em maio pela Fósforo). Num artigo de 2000 menciona já no título, em português, o nome do enteógeno cultuado em aldeias e terreiros do Nordeste brasileiro: “Pharmahuasca, Anahuasca and Vinho da Jurema”.

“Pharmacotheon”, de 1992, que li em tradução espanhola (La Liebre de Marzo, 1996), tem mais de 600 páginas. O volume apresenta prefácio de outro psiconauta lendário, Albert Hofmann, que em 1943 comprovaria o efeito psicodélico do LSD que inventara.

Hofmann chama a atenção para o método de Ott,: autoexperimentação. Após beber infusão a frio de raízes maceradas da jurema-preta, ele se tornou adepto da teoria de que a planta pode por si só de alterar a consciência, sem outros ingredientes.

Seria essa a solução para o “inibidor perdido” da bebida inventada por indígenas do sertão semiárido? As receitas de preparo por juremeiros sempre foram mantidas em segredo, para proteger o saber tradicional de perseguição e apropriação colonial.

O inibidor em questão são substâncias capazes de deter a ação da enzima monoamina-oxidase (MAO) e, assim, impedir que ela degrade a DMT no trato digestivo. Na ayahuasca, a DMT das folhas da chacrona chega ao cérebro por ação inibidora de compostos presentes no cipó mariri.

Muito se especulou que substâncias exerceriam esse papel no vinho da jurema. Seriam supostos inibidores do manacá, de maracujá ou caju silvestres? Outra explicação seria a presença de algum iMAO na própria Mimosa tenuiflora, batizado em 2005 como juremamina (“yuremamine”) por finlandeses.

O próprio Ott popularizou entre psiconautas a receita para do que chamou de “anahuasca” (análogo de ayahuasca) usando jurema-preta. A fonte mais acessível de inibidor seriam sementes de arruda-da-síria (Peganum harmala) maceradas.

Foi com essas instruções de Ott que a daimista brasileira Wanda Maria da Silveira Barbosa, a Yatra, passou a usar em 1996, na Holanda, a jurema xamânica para tratar dependentes químicos na organização Friends of the Forest (amigos da floresta).

Em viagem ao Rio de Janeiro em 1997, ela apresentou a beberagem a psiconautas como o antropólogo Rodrigo Grünewald. Ele havia estudado o povo juremeiro Atikum da Serra do Umã (PE) e pôs Yatra em contato com eles, que receberam a forasteira e com ela beberam a variante globalizada por Ott de seu sacramento.

O químico iniciara sua viagem psiconáutica com LSD, quando buscou a clandestinidade como objetor de consciência contra a Guerra do Vietnã, nos idos de 1968. Estudante de química, viu em 1973 uma palestra do etnobotânico Richard Evans Schultes sobre as chamadas “plantas dos deuses”.

Tornou-se discípulo de Schultes e, por meio dele, de Hofmann e Robert Gordon Wasson. Em 1979, insatisfeito com o estigma e a semântica do termo “psicodélicos”, Ott cunhou com Wasson, Carl Ruck, Jeremy Bigwood e Dany Staples o neologismo “enteógeno”.

Com os psicodélicos que tanto estudou e experimentou, Ott disse ter aprendido que todo lugar é sagrado: “Creio firmemente que o uso espiritual de enteógenos é hoje uma das esperanças humanas mais brilhantes para superar a crise ecológica”.

“Foi um pioneiro do movimento psicodélico, e sua partida representa uma enorme perda”, diz a antropóloga brasileiria Bia Labate, do Instituto Chacruna, que foi sua amiga. “Era um homem carismático e doce, com conhecimento enciclopédico. Permaneceu um outsider cético dos poderes constituídos, ajudando a mudar o mundo a partir das margens.”

Suas Conversações Palenque, na cidade mexicana de mesmo nome, afirma Labate, podem ser consideradas precursoras de conferências como a Psychedelic Science 2025 encerrada há poucas semanas em Denver (EUA). Ott vivia num sítio no México, onde se refugiara para defender o direito de uso de substâncias psicoativas.


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