O tratamento de pessoas com esquizofrenia oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) requer um protocolo adequado, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem durante o Brain Congress 2025 – Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em junho em Fortaleza. Segundo eles, a rede não avalia os transtornos mentais dentro das suas especificidades.
“O SUS tem que ser enaltecido, mas como especialistas devemos sempre discutir a possibilidade de como aprimorar esse recurso tão precioso. O Caps é uma boa proposta, porque ele tem a ideia de um atendimento regionalizado e comunitário, que é o que deve ser preconizado para esquizofrenia. Mas o atendimento de pessoas com a doença precisa de medicações e intervenções psicossociais específicas, e para essas não existe um protocolo adequado na rede de saúde”, afirma Ary Gadelha de Alencar Araripe Neto, professor, vice-chefe do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Programa de Esquizofrenia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Um dos exemplos citados pelo médico é a oferta de clozapina. Na opinião de Gadelha, o antipsicótico indicado quando o paciente não responde ao tratamento, é disponibilizado pelo SUS, mas subutilizado. Não existe um protocolo nacional que preconize e estabeleça como deve ser usado para estes pacientes.
“E isso é importante porque as pessoas que têm resistência, se não usarem clozapina logo, o tratamento perde o efeito. O medicamento já demonstrou em estudos que reduz a mortalidade e o risco de hospitalização. Temos cerca de 80% de pacientes que deveriam estar usando e não estão”, diz Gadelha.
Para o médico, é preciso um esforço de capacitação das equipes e um protocolo que avalie de forma evidente quais são as barreiras. “Não faz sentido você ter a medicação disponível, ter uma indicação clara e ela continuar não sendo utilizada”, diz.
O psiquiatra Raffael Massuda, professor da Universidade Federal do Paraná, tem a mesma opinião. É preciso um protocolo específico e uma equipe multiprofissional que olhe para as dificuldades e os prejuízos de cada um, para que o paciente seja realocado na sua vida”, afirma.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, por exigir monitoramento rigoroso, o uso da clozapina requer exames laboratoriais periódicos e assinatura de Termo de Esclarecimento e Responsabilidade.
Segundo o órgão, além clozapina, o SUS oferece outros antipsicóticos chamados de atípicos, sem os efeitos colaterais que medicações mais antigas apresentavam, como risperidona e quetiapina.
Entenda a esquizofrenia
A esquizofrenia é um transtorno mental que afeta a forma de pensar, sentir e de se comportar. A condição costuma surgir no final da adolescência, início da idade adulta. Os homens desenvolvem a doença mais cedo e com maior gravidade. Nas mulheres é mais tardia e branda.
“As mulheres têm dois picos, um por volta dos 25 anos e o segundo depois dos 40, possivelmente quando baixam os hormônios sexuais femininos. Nos homens é até os 30 anos. É muito raro a esquizofrenia após os 50. Se acontecer tem que investigar outras causas”, diz Gadelha.
A esquizofrenia não tem cura, mas é possível controlar os sintomas com medicamentos que bloqueiam o excesso de dopamina. Há opções no SUS.
O indivíduo também precisa de um atendimento multiprofissional para se restabelecer na sociedade: o psicólogo ajuda a entender a condição; o terapeuta ocupacional auxilia na reorganização; um psicopedagogo, se houve a necessidade de interromper a escola. Mudança no estilo de vida é fundamental.
Preconceito
A esquizofrenia é envolta por preconceito, que está associado à falta de conhecimento. A associação com a violência e a loucura reforça o estigma.
Além das limitações no aspecto social, existe a barreira de acesso ao sistema de saúde. Segundo os especialistas, as pessoas com esquizofrenia têm menos taxas de tratamento para as doenças cardiovasculares, respiratórias e outras comorbidades crônicas. Elas correm risco maior de morrerem por pneumonia.
Para Sarah Nicolleli, fundadora e presidente da Amme (Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia, são necessárias mais políticas públicas voltadas aos doentes e seus familiares.
“É um sofrimento muito grande para a gente. Quando um filho com esquizofrenia não faz o tratamento adequado, nega a doença, não toma os medicamentos e oferece risco não apenas para terceiros, mas para si, o que você vai fazer? Ficar com a pessoa dentro de casa. Não queremos institucionalizar ninguém. Nós queremos apenas que eles saiam do momento de crise e voltem para suas casas melhores”, diz Nicolleli.
A Amme ajuda mães e cuidadoras de pessoas com esquizofrenia brasileiras dentro e fora do país. A entidade possui psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e advogados. Informações neste link.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúd.
* A repórter viajou a convite do Brain Congress