Uma transformação silenciosa vem ocorrendo no desenvolvimento de meninas em todo o mundo: a primeira menstruação, conhecida como menarca, está chegando mais cedo, ocorrendo em média, no Brasil, entre 11 anos e meio e 12 anos e meio.
A puberdade feminina se inicia entre 8 e 13 anos de idade, sendo marcada pelo aparecimento do broto mamário. A menarca ocorre em média dois anos depois. Portanto, menstruar aos 10 anos não é algo inesperado e nem considerado precoce do ponto de vista de saúde. No entanto, pode ser assustador para aquelas que não foram preparadas para isso ou, que por algum motivo, não consigam ter compreensão do que acontece com seus corpos.
A ciência aponta que não há uma única causa para a antecipação da menarca, mas uma complexa interação de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida, todos eles considerados gatilhos para o início da puberdade mais cedo, sendo os principais:
Sobrepeso e obesidade: o consumo elevado de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e gorduras, contribui para o excesso de peso e, consequentemente, para o desencadear da puberdade, uma vez que a elevação da de gordura corporal pode levar a alterações metabólicas e hormonais.
Disruptores endócrinos: produtos químicos em plásticos, cosméticos e agrotóxicos podem interferir no sistema hormonal, desencadeando a puberdade.
Fatores psicossociais: os mecanismos ainda são desconhecidos, mas situações de estresse prolongado ou ambientes familiares conturbados também são investigados como possíveis gatilhos que podem adiantar o relógio biológico. Uma série de artigos demonstram, por exemplo, que na pandemia da Covid-19 ocorreu redução no tempo entre o início da puberdade e a menarca.
Quando é indicado o bloqueio da puberdade?
É possível realizar o bloqueio da puberdade e de todas as mudanças físicas associadas a ela, inclusive a menstruação, mas esse é um tratamento recomendado para situações médicas específicas, sendo a principal delas a puberdade precoce central, aquela que se inicia espontaneamente antes dos 8 anos de idade. Nesses casos, pode ser indicado o uso de um medicamento conhecido como análogo do GnRH, de uso injetável.
Com exceção de pessoas que apresentem alguma condição que dificulte a compreensão ou o manejo da menstruação, como por exemplo meninas com déficit cognitivo ou em situações de impacto psicossocial importante, não está indicada a supressão da puberdade quando iniciada após os 8 anos de idade. Nesses casos é preciso acompanhar sua evolução, e só precisará ser bloqueada se estiver evoluindo mais rápido do que o esperado.
Como acolher as meninas?
Estudos têm demonstrado que a antecipação da idade da menarca pode causar impactos na vida social, emocional e na saúde futura das meninas. No entanto ,isso está associado, na maioria das vezes, à falta de informação e ao preparo para esse acontecimento.
O desconhecimento individual pode gerar insegurança, vergonha e ansiedade, enquanto a desinformação coletiva, que inclui os colegas, é causadora de situações de bullying e afastamento social. É preciso mostrar seu significado em termos de saúde e desmistificar a ocorrência da menarca como o encerramento da infância. O “ficar mocinha” pode ser assustador para meninas mais novas, que ainda têm vontade de serem crianças e que não foram preparadas para esse momento.
As conversas sobre as mudanças do corpo e os marcos de puberdade, entre eles a menarca, precisam acontecer antes de esses fenômenos ocorrerem e de forma universal, para todos da faixa etária, independentemente do gênero. Não basta preparar apenas a criança que iniciou a puberdade, pois as mudanças nos corpos acontecerão e serão percebidas pelo grupo. O desconhecimento leva ao estranhamento, ao julgamento e possivelmente ao bullying. Já o conhecimento gera compreensão, empatia e apoio.
Não existe menarca sem puberdade. Pediatras e hebiatras (médicos especialistas em adolescentes) conseguem, por meio do exame físico, identificar o início da puberdade, tendo, portanto, a possibilidade de explicar antecipadamente as mudanças corporais e ajudar as adolescentes a encararem sua primeira menstruação com mais maturidade e sem grandes sustos.
A antecipação da menarca é uma realidade que exige nossa atenção. Mais do que uma questão biológica, é um fenômeno social que nos convida a repensar como preparamos as meninas para as transformações da vida.