A aposentada Elizabeth Castro de Oliveira, 66, começou a fumar com 11 anos e recebeu o diagnóstico de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) aos 20, mas se recusou a parar com o cigarro. Há dez anos, após uma suspeita de câncer de pulmão e um ultimato da filha, ela superou o vício e começou a fazer o tratamento.
Moradora da Tijuca, no Rio de Janeiro, Elizabeth conta que, mesmo em um grande centro, o valor das medicações mais efetivas dificulta o acesso. Ela usa quatro bombinhas e apenas duas são fornecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
“O governo me fornece uma de alto custo [Anoro; R$ 304] e uma que pego na Farmácia Popular de graça [Aerolin, R$ 19,90]. Mas tem outra que gasto um absurdo por mês e deixo para emergências [Vannair, R$ 212] e uma que o ministério ainda não dá [Trimbow, R$ 268]”, conta.
Assim com Elizabeth, outros brasileiros que vivem com a falta de ar e o cansaço gerados pela DPOC também têm problema para conseguir a medicação. Um estudo fito pela biofarmacêutica Chiesi aponta que municípios brasileiros com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) têm menos acesso a tratamentos para a doença.
O levantamento mostra que os pacientes que vivem nesses locais recebem menos medicação do que o indicado.
A pesquisa analisou dados de 252.463 pacientes cadastrados no DataSUS, de 2017 a 2019 e de 2022 a 2023, revelando que o acesso às terapias para a doença é 5,5% menor nas cidades mais pobres do país.
Além disso, quando a medicação necessária está disponível, a taxa de dispensação dos medicamentos é 6,6% menor do que o registrado nos lugares mais ricos.
“O estudo identifica desigualdades regionais e socioeconômicas no acesso e na consistência de dispensação dos medicamentos”, diz Fabiana Gatti de Menezes, líder de inovação da Chiesi no Brasil-SP e uma das autoras da pesquisa.
A bombinha Trimbow —a que Elizabeth não consegue comprar sempre— é uma terapia tripla (inclui broncodilatadores duplos e corticoide em um único medicamento) é fabricada pela Chiesi. A inclusão do medicamento na atualização do protocolo do SUS está em discussão.
O Ministério da Saúde afirma que o SUS oferece aos pacientes com DPOC medicações como “Fenoterol, Formoterol, Budesonida e Salmeterol, cuja aquisição é de responsabilidade dos estados e municípios, por meio de recursos próprios ou de repasses regulares federais”.
A pasta declara que o medicamento Trimbow foi incorporado ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e será disponibilizado na rede pública caso o documento seja publicado como está —a consulta pública se encerrou dia 18 e as alterações passam por análise técnica para aprovação.
O Ministério da Saúde diz que o sistema público oferta ainda tratamentos preventivos e de reabilitação como apoio para parar de fumar, vacinação, fisioterapia pulmonar, suporte nutricional e oxigenoterapia domiciliar prolongada, conforme indicação clínica.
Cenário da DPOC no Brasil
De acordo com o levantamento da Chiesi feito com informações do DataSUS, locais como São Caetano do Sul (Grande São Paulo), cidade com IDH mais alto do país (0,862), o acesso ao tratamento para DPOC é fornecido a 78,1% dos pacientes. Já municípios como Melgaço (PA), que tem 0,418 de IDH, um dos menores do Brasil, as terapias alcançam 72,6% das pessoas com a doença.
A discrepância é maior na continuidade do tratamento, que em si atinge pouco mais da metade dos pacientes das cidades melhor avaliadas. Municípios com IDH alto chegam a manter 51,3% dos pacientes com dispensação regular (sem intervalos superiores a 90 dias), contra apenas 44,7% nas localidades mais pobres.
Apesar de terem menos tratamento, os locais mais pobres lideram o uso de broncodilatadores duplos. De acordo com o estudo, o fenômeno pode ser atribuído ao diagnóstico tardio e aponta pior condição dos pacientes, não melhor acesso.
O médico pneumologista Ricardo Amorim Corrêa, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), diz que os resultados refletem a escassez de especialistas no país, que tem apenas 4.021 pneumologistas, concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
Corrêa enfatiza ainda que sintomas como tosse crônica e falta de ar são frequentemente negligenciados no Brasil, pois faltam treinamento e equipamento às equipes de atenção primária, elevando custos de tratamento e comprometendo a vida dos pacientes.
“A equipe precisa estar alerta para fazer um diagnóstico mais precoce, trazer esse paciente para o médico avaliar e também acompanhar aqueles que já estão em tratamento”, destaca o pneumologista.
Quanto mais tarde a terapia, maiores são os riscos de limitações físicas, hospitalização e até morte prematura do paciente.
Como a DPOC é diagnosticada
A DPOC é confirmada por exame de espirometria, que mede a quantidade e a velocidade do ar que entra e sai dos pulmões. Os sintomas principais da doença são falta de ar, tosse crônica, chiado no peito e fadiga intensa.
Corrêa explica que os sinais surgem lentamente ao longo dos anos e agravam-se durante infecções. Cerca de 90% dos casos são causados por tabagismo, seguido de exposição prolongada a fumaças tóxicas (fogão a lenha, poluição industrial, queima de biomassa) ou poeiras ocupacionais.
O cigarro eletrônico também pode influenciar no surgimento e no agravamento da doença. Corrêa diz que os dispositivos são altamente viciantes e trouxeram a alta do tabagismo após 30 anos de queda, atingindo hoje cerca de 11% da população.
A SBPT tem atuado junto ao Ministério da Saúde para ampliar o acesso ao espirômetro em municípios com baixo IDH. Também fechou parceria com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) para oferecer teleconsultas com pneumologistas para 150 cidades do país.