Página Inicial Saúde Não binários relatam dificuldade para entender gênero – 14/07/2025 – Equilíbrio

Não binários relatam dificuldade para entender gênero – 14/07/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Elu/delu, ela/dela e ele/dele são os pronomes pelos quais Pe Kretli , 25, gosta de ser chamado. Publicitário, ele descobriu por um grupo no X (ex-Twitter) há cinco anos que se identifica como não binário.

O gênero faz parte da sigla LGBTQIA+ e representa a parcela da comunidade que não se identifica como homem e nem como mulher, podendo transitar entre esses dois gêneros, ou ficar fora deles.

De uma família de criação estritamente voltada à masculinidade, Pe diz se lembrar de ser diferente desde a infância e que, por volta dos 10 anos, já se interessava, principalmente, por roupas e estilos de cabelo associados ao gênero feminino. “Sempre carreguei um estereótipo que fazia as pessoas me associarem a um menino gay, mas nunca me enxerguei assim”, completa.

Apesar da dificuldade para entender a diferença entre gênero e sexualidade, por volta dos 15 anos Pe se descobriu bissexual, mas sabia que alguma coisa ainda não estava clara o suficiente. Mais tarde, na casa dos 20, ele acabou se deparando com uma comunidade não binária no X e se identificou com as abordagens trazidas pelo grupo.

“Entendi como o gênero se movimentava na minha cabeça e que ele nunca foi estritamente restrito ao masculino. Mas também nunca tive restrição ao feminino. Quando fui apresentado à comunidade não binária, já tinha um bom conhecimento sobre o que era ser LGBT, mas senti que pela primeira vez tive percepção sobre essa quebra da barreira de gênero”, completa.

A não binariedade rompe com essa lógica de gênero, ou seja, é possível se identificar com algumas características tanto de um polo quanto do outro. “É um gênero que transita entre masculino e feminino e contesta a própria noção de gênero”, explica Vanessa Alminhana, psicóloga e mestre em estudos de gênero e sexualidade.

Para os não binários, de acordo com ela, existe uma dificuldade para se entender, enquanto gênero, justamente pela falta de representatividade. “Falta representação das amizades, da família e de uma naturalização dessa questão que acaba dificultando essa pessoa de se entender. Se para entender a nossa sexualidade, que às vezes pode ser mais fácil, imagina o gênero?” indaga Alminhana.

Unhas coloridas, maquiagem, brincos e saia fazem parte de alguns dos itens utilizados hoje por Pe, que diz gostar de se vestir de uma forma mais andrógina. “É o que faz mais sentido para mim, gosto de performar sem nenhum dos gêneros associados a mim”, diz ele que também se identifica como gênero fluído.

Em determinados espaços, ele diz enfrentar dificuldade e, dependendo da situação, adequa suas roupas a um padrão mais masculino para se sentir menos desconfortável.

Ações como esta, no entanto, apesar de equilibrar o desconforto de um lado, pode provocar desentendimentos do outro. Travesti e não binária, Leonora Macedo é psicóloga, mestre em educação sexual e doutoranda da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita) e, para ela, questionamentos sobre legitimidade do gênero dentro do próprio movimento trans (que compreende não binários como transgêneros) costumam surgir em casos assim, especialmente quando não existe uma grande mudança estética.

“É um discurso violento em que questionam a legitimidade de algumas pessoas não binarias que não alteram em nada sua expressão de gênero e acabam usufruindo de uma passibilidade de um lugar de cisgeneridade”, explica Macedo.

Alminhana diz ainda que questionamentos do tipo tendem a impactar a saúde mental dessas pessoas por medo de sofrer mais discriminação ou vitimização. “Alem disso existe uma falta enorme de conhecimento por parte dos profissionais da saúde e isso dificulta pessoas não binárias a buscarem apoio profissional”, explica.

A falta de representatividade foi um dos principais empecilhos para que Pe se entendesse como não binário. Desde mais novo, ele diz ser acompanhado por psicólogo, mas depois de adulto encontrou dificuldade em encontrar um profissional que entendesse seu gênero.

“Fiz terapia por muitos anos por outras questões, mas quando tentei encaixar o assunto da não binariedade com diferentes profissionais da terapia, nenhuma vez fui compreendido e acolhido”, relata.

Segundo ele, um desses terapeutas chegou a confundir a identidade de gênero de Pe com sexualidade. “E não era a mesma coisa. Para mim, minha sexualidade já era bem esclarecida, mas essa falta de entendimento me desesperava um pouco”.

A maior parte dos pacientes atendidos por Macedo são não binários e, para ela, existe muito a angústia de não ser reconhecido e validado pela sociedade quando não se é homem e nem mulher. “Porque é muito forte essa falta de compreensão do outro sobre a não binariedade”, completa.

A dificuldade em se quebrar o padrão da binariedade, para Macedo, pode ser justificada ainda porque o gênero é quase como uma norma enraizada na sociedade. “Até mesmo as pessoas que fazem esforços para quebrar essas barreiras bebem dessa fonte. Essa lógica de binariedade é estruturante da sociedade e com cursos como o de psicologia não seria diferente.”

Guarda-chuva da não binariedade

A não binariedade é uma forma de compreensão sobre o gênero que não necessariamente se restringe às expectativas e normas binárias, ou seja, aquelas culturalmente estabelecidas e que definem a identidade de homem e mulher. O gênero é um “guarda-chuvas de possibilidades identitárias” que foge desses dois polos, explica a psicóloga Leonora Macedo.

Dentre as sub-identidades do gênero e nomenclaturas a partir dessa ramificação, de acordo com os entrevistados, estão além de travestis e transsexuais, lidos como transgênero por não se identificarem com o gênero de nascimento e, portanto, não binários, surgem outras categorias.

Agênero

É a identidade onde a pessoa não se identifica com nenhum gênero.

Bigênero

Quando existe a presença de mais de um gênero ao mesmo tempo.

Gênero fluido

Identidade sem a identificação de um gênero fixo, mas que transita entre vários gêneros.

Poligênero

Quando uma pessoa se identifica com um ou mais gêneros ao mesmo tempo ou em alternância.

Two Spirit

Identidade de gênero derivada de povos indígenas norte-americanos que compreendem uma identidade de gênero espiritual que combina masculino e feminino.

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