Página Inicial Saúde Por que o Brasil voltou ao ranking de crianças sem vacina – 16/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Por que o Brasil voltou ao ranking de crianças sem vacina – 16/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

O Brasil voltou à lista das 20 nações com maior número absoluto de crianças não vacinadas, segundo relatório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da OMS (Organização Mundial da Saúde). Para especialistas, a presença do país no ranking está ligada não só ao seu tamanho populacional, mas também a problemas atuais e persistentes, como o abandono de doses, a desinformação e a fragilidade na busca ativa pelas crianças que não completaram o esquema vacinal.

O país ocupa a 17ª posição na lista dos que têm mais crianças não vacinadas. O dado considera a aplicação da primeira dose da vacina tríplice bacteriana (DTP), também chamadas zero dose, que protege contra difteria, tétano e coqueluche. Segundo o Unicef, ela foi escolhida como indicador por ser uma das primeiras do calendário infantil, amplamente utilizada no mundo, com histórico de alta cobertura e baixo custo.

Em 2024, 2,3 milhões de crianças haviam recebido a primeira dose da DPT no Brasil. No mesmo ano, 229 mil não haviam recebido nenhuma dose dessa vacina no país. A cobertura, no entanto, tem apresentado melhoras: passou de 84% em 2023 para 90% em 2024, de acordo com o Unicef. Ainda assim, o país está abaixo da meta de 95%, considerada ideal para garantir a proteção coletiva.

A presença do Brasil no ranking global se relaciona a um histórico recente de dificuldades na vacinação infantil. Além disso, a posição do país na lista pode ter sido influenciada também por uma mudança metodológica do Unicef. Em anos anteriores, como em 2024, o órgão aplicava um fator de correção para lidar com inconsistências nos dados, como quando o número de crianças com a terceira dose da DTP aparecia maior que o da primeira. Com esse ajuste, o Brasil chegou a ter uma cobertura estimada de 96%.

No relatório atual, divulgado na segunda-feira (15), esse tipo de correção não foi aplicado. O dado de 90% passou a ser usado diretamente, o que afetou a posição do país no ranking.

Apesar disso, os próprios dados do Unicef mostram avanço: o Brasil reduziu o número de crianças “zero dose” de 418 mil em 2022 para 229 mil em 2024.

“O levantamento usa número absoluto, e não proporcional à população infantil”, explica Renato Kfouri, infectologista pediatra e vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). “Por isso, países populosos como o Brasil, mesmo com coberturas razoáveis, acabam aparecendo entre os piores.”

Para o infectologista Rodrigo Lins, presidente da Sierj (Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro), o país começou a melhorar as taxas de cobertura vacinal a partir de 2023, mas houve uma queda que começou ainda antes da pandemia da Covid-19.

Por volta de 2015 e 2016, o PNI (Programa Nacional de Imunizações) garantiu a eliminação de doenças como sarampo e poliomielite, o que reduziu o senso de urgência em relação às vacinas.

“As pessoas pararam de ver essas doenças, pararam de ouvir falar de casos graves e passaram a achar que não era mais necessário vacinar”, afirma o infectologista.

A partir de 2018, um movimento antivacina começou a ganhar força no país, em sintonia com o que ocorria em outras partes do mundo. A disseminação de informações falsas, especialmente nas redes sociais, fragilizou a confiança da população.

“A gente vive uma era de infodemia [epidemia de desinformação]”, afirma Chrystina Barros, doutora em administração e especialista em gestão de saúde.

Entre 2020 e 2022, a pandemia agravou o cenário. As unidades básicas de saúde, que fazem a vacinação infantil, não chegaram a fechar totalmente, mas precisaram reorganizar atendimentos e adaptar estruturas. Parte dos profissionais foi direcionada para o combate à Covid, e as campanhas de imunização infantil perderam prioridade.

Especialistas apontam ainda que o governo da época, sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), contribuiu para o aumento da hesitação vacinal ao desestimular a vacinação e fomentar o negacionismo científico.

Queda e retomada das coberturas

Dados da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) do levantamento do Unicef ajudam a entender a trajetória da cobertura vacinal no país. A primeira dose caiu de 95% em 2016 para 87% em 2017. Subiu em 2018 e 2019, mas caiu novamente nos anos seguintes: 79% em 2020 e 73% em 2021. Em 2024, a cobertura voltou a subir, atingindo 93%.

Quanto à segunda dose, o índice caiu de 95% para 80% entre 2001 e 2002 e ficou abaixo de 80% por mais de uma década. Entre 2019 e 2024, permaneceu abaixo de 70%, atingindo o menor nível em 2020, com apenas 44%. No ano passado, subiu para 68%.

“Estamos melhorando, mas ainda temos muito a recuperar”, afirma Lins.

O abandono do esquema vacinal também é uma preocupação, aponta Chrystina Barros. Regiões como Norte e Centro-Oeste apresentam altos índices de crianças que iniciam a vacinação, mas não voltam para completar as doses.

“Falta busca ativa, os postos têm horário limitado, e muitas mães não conseguem sair do trabalho para levar os filhos”, diz.

A taxa de evasão entre a primeira e a segunda dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), por exemplo, ultrapassa os 50% em 14 estados brasileiros, entre eles Acre, Pará, Amapá, Maranhão e Mato Grosso do Sul, segundo o Anuário VacinaBR 2025, elaborado pelo IQC (Instituto Questão de Ciência) com apoio da SBIm e parceria do Unicef.

Em 2023, menos de um terço dos municípios (32%) tinha atingido o índice de 95% de cobertura de quatro vacinas para crianças com menos de um ano de idade: terceira dose da pentavalente (que inclui a DTP), poliomielite (terceira dose), pneumocócica 10-valente (segunda dose), e, com um ano, a tríplice viral (primeira dose).

O Ministério da Saúde afirma que o Brasil vem avançando na imunização infantil desde 2023. Segundo a pasta, 15 das 16 principais vacinas do calendário nacional registraram aumento na cobertura no último ano.

“O avanço da vacinação em todo o território nacional é resultado das ações de incentivo promovidas pelo Ministério da Saúde, como a vacinação nas escolas, a retomada das grandes mobilizações, ações de microplanejamento adaptadas às realidades locais e a garantia do abastecimento de vacinas”, diz a pasta em nota.

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