Toda vez que dou um fora, e não são poucas as vezes, passo mal. Assim que o fora dispara da minha boca como uma zarabatana involuntária prestes a atingir o interlocutor, me dou conta do estrago iminente e fico com as pernas bambas.
Nunca me esqueço do dia em que me aproximei de um rapaz na agência de publicidade onde eu trabalhava e, tentando ser gentil, elogiei o rosto tatuado em seu braço: “nossa, que lindo esse índio!”. “É minha mãe”.
Nessas horas, minha pressão cai, sinto taquicardia e vontade de desmaiar. O que é francamente ridículo e me deixa em uma situação vulnerável, já que o ofendido pelo fora, com toda razão, não tem vontade nenhuma de me socorrer. Ao contrário: seu desejo é me ver estatelada no chão, dando com a língua nos dentes, literalmente.
Se o desmaio não se concretiza depois do fora, tento dar o fora o mais rápido possível. Em outra ocasião, jantando com o pessoal do trabalho, resolvi confessar que tinha um nome do meio que eu detestava, mas não ia revelar porque era cafona demais. Obviamente os integrantes da mesa ficaram ardendo de curiosidade e começaram um jogo de adivinhação: “Seu nome é Ana Shirley?”. “Ana Amanda?”. “Ana Gabriela?”.
Pressionada, revelei que meu nome completo é Ana Carla e esqueci que, bem na minha frente, estava sentada minha chefe, que se chamava como? Carla.
Me esforcei em consertar dizendo que o problema não era o “Carla” em si, mas a combinação dele com “Ana”. Mas o estrago já estava feito. Não fui demitida, mas também nunca fui promovida. A geladeira é o castigo para quem tem a boca grande.
Tentando me poupar de situações assim no futuro, resolvi analisar essa minha inabilidade social. Dou foras porque falo antes de pensar? Ou seria culpa do meu inconsciente, que grita o que eu tenho vontade de dizer e não posso?
Essa segunda hipótese me faz lembrar de quando levei Francine ao teatro comigo. Francine era amiga de um namorado e tentou se aproximar de mim várias vezes. O problema é que a moça tinha sido desagradável em várias ocasiões, e por isso nunca me abri muito à ideia de me tornar sua amiga. Depois de muita insistência da parte dela e um empurrão do meu eterno sentimento de culpa, resolvi levá-la para assistir a uma estreia comigo.
Ao chegarmos à porta do teatro, dei meu nome à hostess que gentilmente riscou “Ana Reber” (sem o Carla, lógico) da lista e em seguida perguntou se tinha alguém me acompanhando. Sem me dar conta de que Francine estava bem ao meu lado, respondi: “Ninguém. Nin-guém”.
Entendi naquele dia que preciso parar de me obrigar a fazer o que não quero. Mas o que explica o fora que eu dei no enterro do seu Odilon, avô da minha amiga Fernanda?
Cheguei, como sempre atrasada e, quando estava caminhando em direção à sala do velório, vi seu Odilon passando rapidamente por mim. Assustada com a visão da assombração, fechei os olhos e, quando abri de novo, ele não estava mais lá. Antes de me aproximar do caixão, me aproximei de Fernanda e disse: “Sinto muito pelo seu avô, amiga. Vamos rezar porque vi ele lá fora… Acho que seu Odilon ainda está entre nós…”.
Nesse momento, minha amiga sorriu, apontou para seu Odilon tomando um cafezinho no corredor e disse que ele estava mesmo entre nós. Quem tinha morrido era o outro avô, Carlos. Pelo menos, dessa vez, meu fora rendeu uma boa gargalhada e essa relação não foi para o brejo. Acho…