Aos 89 anos, Maria Isabel Planet Buarque incorporou jogos de videogame de realidade virtual à sua rotina como uma das formas de manter o corpo ativo fisicamente. Há um ano e meio ela recebe semanalmente em casa a visita de uma fisioterapeuta especializada em atividades virtuais.
Cada sessão dura, em média, uma hora, a depender da disponibilidade do paciente, explica Jéssica Bacha, fisioterapeuta membro da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) que pesquisa e trabalha com reabilitação de pessoas idosas com gerontecnologia há dez anos.
Pos-doutoranda no tema, ela estuda realidade virtual aplicada na reabilitação dos pacientes desde o mestrado, com grupos na USP (Universidade de São Paulo). “Como gostei dos resultados, vi que levava jeito para levar levá-los para a prática clínica”, diz. Hoje, ela atende parte dos pacientes em domicílio e utiliza jogos comerciais como parte do tratamento.
Quatro tipos de modalidades de realidade virtual são empregadas na reabilitação clínica: a não imersiva (games em tablet, focados na memória), a semi-imersiva (videogames interativos, para reabilitação física), a imersiva (com óculos de realidade virtual, geralmente utilizados para casos de desequilibro) e a aumentada (que simula o mundo real, mas permite interação virtual e é muito utilizada para tratamento de fobias).
No caso de dona Isabel, o tratamento para o comprometimento cognitivo leve é feito com a forma imersiva e semi-imersiva da tecnologia. “Mesclamos 30 minutos de atividades imersivas com 20 minutos de não imersivas”, detalha Jéssica.
As sessões começam com o videogame conectado à TV da sala, transformando o ambiente em um espaço terapêutico. Jéssica permanece atrás da paciente para prevenir quedas e orientá-la nos comandos — tarefa que dona Isabel executa com autonomia da escolha ao início do jogo.
Os games utilizados, como “Just Dance” e “Kinect Adventures”, têm a chamada “jogabilidade”, segundo Jéssica, ou seja, já foram testados e estudados para essa finalidade de uso com idosos, especialmente para aqueles mais robustos ou com transtornos cognitivos maior, em estágio leve e médio, como a demência. Este tipo de terapia também pode ser indicado para pacientes que tiveram Parkinson e AVC (acidente vascular cerebral).
Durante a atividade, às vezes, são necessárias algumas pausas. Na sessão acompanhada pela reportagem, dona Isabel, em recuperação de uma pneumonia, precisou de intervalos mais longos. “Não é brincadeira. Fiquei duas semanas sem pilates por causa da doença”, conta a idosa, que pratica a atividade física há 20 anos.
Conforme o perfil do paciente, Jéssica adiciona caneleiras e pesos para intensificar o estímulo, mas dona Isabel dispensa os acessórios devido à sua rotina de exercícios.
Após o descanso da reabilitação física, Jéssica parte para os jogos não imersivos, aqueles baixados em lojas virtuais e instalados em dispositivos como smartphones e tablets —este último, o aparelho utilizado por dona Isabel, que gosta de jogar “Show do Milhão”, com perguntas e respostas, e forca. “Essa é a parte que me distrai e ajuda na cabeça”, completa a paciente enquanto faz as atividades sugeridas pela fisioterapeuta.
A adesão a esse tipo de tecnologia enquanto tratamento, no entanto, nem sempre é bem vista pelos pacientes mais velhos, principalmente por causar certa estranheza, como Jéssica observou durante pesquisas do pós-doutorado. Porém, no dia a dia, ela percebe que a aceitação é melhor.
“Já vi até pacientes dizendo ‘agora entendo por que meu neto joga'”, afirma Jéssica, que afirma que este tipo de atividade favorece até a intergeracionalidade de familiares. “Diminuiu o preconceito de que o idoso não sabe usar tecnologias e, além de postergar aspectos do declínio cognitivo, aproxima diferentes gerações”, completa a especialista.
Dentre os principais benefícios observados em estudos de gerontecnologia com a técnica estão a melhora do equilíbrio postural, da mobilidade corporal, e de alguns domínios da cognição.
Os resultados com esse tipo de terapia, segundo Jéssica, tendem a ser muito bons para casos leves e médios de comprometimento cognitivo, mas não anulam a necessidade de programas e acompanhamentos convencionais. “Na literatura é claro que a realidade virtual é eficaz para declínios cognitivos, mas não é superior a terapias convencionais”, diz.
Médico geriatra do Hospital Sírio-Libanês e especialista em Distúrbios Cognitivos pelo Hospital das Clínicas da USP, Victor Dornelas explica que a prática de exercícios físicos é fundamental para um envelhecimento bem-sucedido e a orientação de um profissional é essencial para a prescrição e execução da atividade mais adequada a pacientes dessa faixa etária. “As demandas são mais específicas e exigem cuidados diferenciados”, completa.
Ainda, de acordo com ele, a realização de atividades físicas constantes podem retardar progressão de algumas doenças como Parkinson. “Além de retardar o surgimento dos sintomas, pode desacelerar a progressão da doença, coisa que, até o momento, não há medicamento que proporcione o mesmo tipo de benefício”, diz o médico.
Terapias com o uso de tecnologia ganham, cada vez mais, um espaço significativo, principalmente em abordagens com público idoso. Na prática clínica, segundo Dornellas, já são utilizados dezenas de jogos e aplicativos baseados em realidade virtual, especialmente em casos de comprometimento cognitivo leve, doença de Parkinson e Alzheimer. “Os resultados são bastante promissores, com múltiplos benefícios cognitivos e emocionais para os pacientes”, completa o especialista.
A fisioterapeuta alerta ainda que a realidade virtual, para quem está de fora, pode parecer muito lúdica. “Se ela não é aplicada da forma correta, pode até gerar uma frustração no paciente”, diz Jéssica.
Esse tipo de tratamento é oferecido por clínicas especializadas em reabilitação. Geralmente, esses locais funcionam de forma multidisciplinar, com profissionais como médicos, psicólogos e fisioterapeutas.