A adolescência tende a ser vista como uma fase de risco e rebeldia, repleta de problemas. Não é à toa que muitas vezes é chamada de “aborrescência”. O estigma acaba gerando despreparo e negação por parte dos pais, ao contrário do que acontece com a primeira infância, dizem especialistas ouvidos pela Folha.
Enquanto os pais têm certo receio da adolescência, os primeiros anos de vida dos filhos são cercados de preparação, cuidado e até romantização. Pais e mães, quando recebem a notícia de que vão ter um bebê, já começam a ler livros sobre o tema –e daí se consagram grandes sucessos como “O que Esperar Quando Você Está Esperando”, de Heidi Murkoff, ou livros do pediatra e psicanalista D. W. Winnicott.
Existe uma atenção maior à primeira infância, mais concentrada em aspectos físicos e neurológicos, como quando o bebê começa a andar ou falar, explica Renato Caminha, psicólogo, professor e pesquisador na área de emoções, educação socioemocional e parentalidade. Já o desenvolvimento emocional e psicológico é negligenciado, inclusive durante a adolescência.
Esse período envolve transformações cerebrais intensas e naturais, como alterações hormonais e emocionais. “A adolescência é uma patologia transitória. O cérebro cresce como um músculo, com dor e desorganização”, diz Caminha. É a chamada Síndrome Normal da Adolescência, cunhada pelos argentinos Arminda Aberastury e Mauricio Knobel: uma fase de transgressão, impulsividade, intensidades emocionais e busca de identidade. É toda aquela confusão que acontece com a cabeça da Riley em “Divertida Mente 2“
“Ninguém nasce pronto para ser pai ou mãe. Mas a gente estuda para tudo na vida. Por que não estudar para a adolescência?”, questiona o psicólogo.
Caminha reconhece, no entanto, que há um grande vazio editorial quando o tema é adolescência voltada para o público leigo. A maior parte do material disponível é técnico, feito para terapeutas e não acessível para famílias. Por isso, ele resolveu escrever livros que traduzem essa linguagem científica para algo mais prático, o que gerou publicações como “Falando Sério Sobre Adolescência”, com Thalita Rebouças, e “Mitos da Parentalidade”.
A boa notícia, ele afirma, é que há mercado: a primeira tiragem de seu livro com Thalita Rebouças foi de 5.000 exemplares e já está em sua segunda edição.
É possível se preparar para esse momento –com os títulos disponíveis e páginas confiáveis nas redes sociais– e isso faz toda a diferença. Afinal, a desconexão que os pais sentem em relação aos filhos nessa fase da vida pega muitos de surpresa.
“Quando os filhos eram pequenos, os pais eram vistos como heróis. Na adolescência, a necessidade de individuação aparece com força. E isso assusta”, diz Fernanda Lee, mestre em educação e autora do livro “Adolescente Não Precisa de Sermão”. O papel dos pais muda de piloto para copiloto –e é aí que muitos se perdem. “Existe uma resistência muito grande dos pais em tirar a mão do volante”, afirma Lee.
Fabiana Nogueira Neves, 50, educadora e terapeuta de encorajamento, conta que investiu na infância dos filhos acreditando que isso garantiria uma adolescência tranquila, mas mesmo assim não se livrou dos conflitos e afastamentos dos seus três adolescentes. “É uma montanha-russa que alterna momentos de calmaria e de profunda conexão com momentos de surpresa, de não saber o que fazer, de não saber como agir”, diz.
Ainda que ela tenha estado presente e se tornado uma referência afetuosa para os filhos na infância, a adolescência trouxe um novo território desconhecido, em que ela se viu com mais perguntas do que respostas. Isso gerou uma grande autocobrança.
“Fui atrás desse conhecimento porque estava pesado para mim. Não a adolescência deles, mas a minha cobrança sobre mim mesma de o que fazer, de como ser uma mãe que poderia ajudá-los nesse processo”, afirma. Ela fez um curso de disciplina positiva e também leu livros, como “Disciplina Positiva para Adolescentes”, de Jane Nelsen.
Para ela, ser mãe de adolescentes é um processo de descoberta mútua: de quem os filhos estão se tornando e de quem ela está se tornando como mãe. A transformação, segundo ela, não vem do filho, mas de quem educa. “Esse conhecimento não é para o adolescente, é para a gente. É a gente que precisa mudar”.
Claudia Oliveira, psicóloga clínica, aponta que a adolescência ainda é uma fase pouco estudada e, por muito tempo, foi negligenciada até pela psicologia. Hoje, o impacto das redes sociais e da tecnologia traz novos desafios que ainda estão sendo compreendidos. “A gente está meio que trocando o pneu com o carro andando”, afirma.
Isso impacta também no investimento público e social, que é escasso para adolescentes, contribuindo para a negligência de uma fase essencial, afirma Carol Campos, psicóloga clínica da infância e adolescência. Ela e Oliveira criaram o projeto Adolescência Simples, no qual compartilham conceitos, dão dicas de livros e abordam temas em alta sobre adolescentes.
Campos também dá dicas práticas para passar por essa fase: melhorar a comunicação, escutar de verdade, evitar julgamentos e sermões, e envolver os filhos nas decisões que dizem respeito à vida deles.
As psicólogas defendem que o autoconhecimento dos pais é o ponto-chave para se preparar para essa fase. Segundo Fernanda Lee, a adolescência é uma oportunidade para os pais revisitarem sua própria juventude e curarem feridas emocionais. “Buscar conhecimento sobre adolescência não é sinal de incompetência, é sinal de amor incondicional”, diz Lee.