O Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) disse que sete influenciadores, o grupo Meta, responsável pelo Instagram, e a empresa Bimbo do Brasil, produtora do bolinho Ana Maria, estimularam o público infantil a consumir produtos alimentícios ultraprocessados.
Em documento enviado na quarta-feira (16) à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e ao Procon-RJ, o instituto afirmou que a veiculação de publicidade infantil dos bolinhos Ana Maria na rede social é enganosa, abusiva e descumpre preceitos do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Idec pede que sejam aplicadas multas contra a Bimbo Brasil e a Meta e que seja instaurado processo administrativo para averiguar a conduta de todos os denunciados. Também solicita que seja determinada preliminarmente à Meta a retirada de conteúdo ilícito das redes, sob pena de multa diária de R$ 15 mil.
A denúncia aconteceu após a análise de 14 bolinhos pelo Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA), do Idec. Segundo o órgão, todos os produtos analisados são ultraprocessados, caracterizados pela existência de aditivos alimentares com funções cosméticas, que modificam as características sensoriais dos produtos, como o aroma, o sabor, cor e textura.
“São os aromatizantes, corantes, emulsificantes e espessantes que indicam que os produtos são ultraprocessados”, diz Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec. Esses produtos não são indicados especialmente para o consumo infantil pelas evidências de que fazem mal à saúde.
Além disso, no caso dos produtos sabor baunilha e sabor pão de mel, embora estejam destacados no rótulo, esses ingredientes não estão presentes na composição. O Idec destacou que a inclusão de “ingredientes fantasmas” nos produtos trata-se de propaganda enganosa, conforme o Código do Consumidor.
“A construção da promoção comercial dos produtos leva a crer que a baunilha e o mel sejam ingredientes principais dos bolinhos ou, no mínimo, um ingrediente presente em sua composição, induzindo o consumidor a erro”, diz no documento.
O Idec afirma que as campanhas publicitárias “O Sabor de Ser Criança” e “De Volta às Aulas”, da marca Ana Maria, lançadas em 2024 e 2025, enganam devido aos apelos de saudabilidade dos produtos e ao destaque de nutrientes essenciais —as embalagens dizem que os bolinhos são “fontes de vitaminas” e “fontes de cálcio”. Ou seja, ao associar os produtos da marca com atributos positivos relacionados à saúde, o consumidor é induzido ao erro.
Conforme o Idec, dos 14 produtos analisados, 13 são considerados altos em açúcar adicionado e três em gordura saturada.
Em postagens publicadas pelo perfil oficial da marca, são exibidos itens promocionais como lancheira e mochilas personalizadas com personagens infantis, uso de linguagem infantil e excesso de cores vibrantes, o que o Idec considera como desrespeito a resoluções do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).
Procurada, a Bimbo do Brasil não respondeu até a publicação da reportagem.
A denúncia responsabiliza sete influenciadores por reconhecer o seu poder de alcance e influência no consumo dos seguidores, e por propaganda abusiva que atinge, principalmente, crianças.
Também responsabiliza a Meta por considerar que o Instagram disponibiliza o espaço e as ferramentas tecnológicas que permitem a disseminação do conteúdo. Além disso, por ser responsável pelo monitoramento e pela adoção de medidas que impeçam a circulação de conteúdos que violem algum aspecto da legislação. Procurada, a Meta, via nota, afirmou que não iria comentar o assunto.
Foram denunciados os influenciadores Marina Mazzelli, (da página @quintuploscapixabas, com 1 milhão de seguidores), Isabelli Gonçalves (@depoisquepariduas, 682 mil seguidores), Keila Pinheiro (@keilavpinheiroo, 449 mil), Camila Queiroz (@lar_dacamila, 816 mil), Pai Solo Thiago (@pai.solo.thiago, 963 mil), Bruna Rossi (@brunaruizrossi, 64,6 mil) e Luma (@papomaterno, 189 mil).
Todos esses influenciadores têm como foco a produção de conteúdo sobre maternidade, paternidade ou educação, e muitos deles vendem o produto, em seus vídeos patrocinados, como uma opção para o lanche escolar.
Segundo a denúncia, embora verbalmente dirigida aos pais, a comunicação é centrada em elementos lúdicos e contém informações enganosas. Em duas das 16 publicações analisadas, há mães acompanhadas de filhas, o que caracteriza o direcionamento da publicidade ao público infantil. Na maioria delas, há referências visuais ao ambiente escolar, como o uso de lancheiras, mochilas e menções à escola.
Todos os influenciadores foram procurados pela reportagem via e-mail das respectivas equipes na tarde desta quinta-feira (17) entre 14h e 16h e novamente às 20h, mas apenas a equipe de Camila Queiroz respondeu até a publicação da matéria.
A assessoria da influencer afirma, por meio de nota, que ela não teve a intenção de estimular o consumo de produtos ultraprocessados pelo público infantil ou de direcionar a publicidade a crianças e que foi contratada pela empresa para uma ação pontual de divulgação dos bolinhos Ana Maria, seguindo as orientações passadas pela marca.
A equipe de Mariana Mazzelli respondeu uma mensagem enviada pelo WhatsApp, mas ao ser informada sobre o conteúdo da conversa, passou a ignorar a reportagem.
Segundo Laís Vendramini, advogada do Idec, o procedimento administrativo será instaurado se o Senacon e o Procon-RJ entenderem que há indício de infração, e se for o caso, serão aplicadas as sanções administrativas.
Aos influenciadores, a denúncia pede que apresentem comprovantes de remuneração direta ou indireta pela publicidade e impulsionamento de publicações. “O influenciador tem o dever de informar de forma clara e precisa sobre os produtos, os serviços que ele divulga, evitando informações falsas, enganosas, abusivas que possam prejudicar os seguidores”, afirma Vendramini.