O Instituto Butantan, na zona oeste de São Paulo, vai desenvolver e testar um medicamento, com base em anticorpos monoclonais, contra o zika vírus. O objetivo principal é proteger as grávidas, mas também poderá ser utilizado por qualquer pessoa sob risco de ser infectada. A informação foi confirmada à Folha pelo diretor do instituto, Esper Kallás.
Em abril deste ano, Eleuses Paiva, secretário de Estado da Saúde de São Paulo, havia dito que faria do Instituto Butantan um centro de operações para tomada rápida de decisão, ou seja, um espaço para a produção acelerada de vacinas e medicamentos.
A infecção pelo zika durante a gestação pode causar anormalidades nos bebês. Em 2015, a explosão de casos de microcefalia em crianças foi associada ao vírus. Na época, o Ministério da Saúde declarou estado de emergência em saúde pública de importância nacional. Assim como o vírus da dengue e da chikungunya, o zika é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti.
“Se hoje tivermos nova epidemia de zika —não precisa ser tão grande quanto a de 2015— em alguma região do país que não tinha sido atingida naquela época, um exemplo é a cidade de São Paulo, nós não temos solução. Quer dizer, o vírus vai transmitir, vai restar enfrentamento e controle de vetor, coisa que a gente vem tentando fazer contra dengue e chikungunya há muito tempo e ainda há casos dessas duas doenças por aqui”, afirma Kallás.
O serviço de produção de anticorpos e o estudo estão estimados em cerca de R$ R$ 78,4 milhões. Inicialmente, a verba será da Fundação Butantan.
O anticorpo monoclonal foi licenciado para o Instituto Butantan pela Universidade Rockefeller, dos Estados Unidos, onde pesquisadores liderados pelo imunologista Michel Nussenzweig descobriram o anticorpo humano capaz de neutralizar o vírus. Nussenzweig é brasileiro. Seus pais se formaram na Faculdade de Medicina da USP e foram aos EUA quando ele ainda era adolescente.
Nussenzweig isolou vários anticorpos e selecionou dois que mostraram boa atividade neutralizante contra o vírus. A partir disso, os desenvolveu em escala para estudos laboratoriais e experimentos em modelos animais.
“Quando você coloca o vírus em cultura de células, se pinga um pouquinho desse anticorpo, ele praticamente tira a capacidade do vírus se multiplicar nas células. Ele não só fez isso como avaliou se esse anticorpo poderia prevenir a multiplicação do vírus em modelos experimentais”, diz Kallás.
Segundo Kallás, Nussenzweig procurou o Butantan e vinha discutindo a possibilidade de licenciar o desenvolvimento desse anticorpo ao Instituto.
“Com todas as tratativas, conseguimos que o Butantan e a Universidade de Rockefeller fizessem um acordo para trazer esse anticorpo para cá. Agora, vem o desenvolvimento, que consiste na elaboração de um processo produtivo para fazer o primeiro lote em escala e um estudo clínico para saber se esse anticorpo é seguro para dar às pessoas”, disse.
O diretor do Butantan explicou que o estudo vai verificar se o sangue dessas pessoas que receberam o anticorpo consegue neutralizar o vírus zika.
O lote, que terá cerca de 1.000 frascos, começou a ser produzido no Butantan há aproximadamente três semanas, segundo Kallás. O processo deverá ser finalizado em nove meses até um ano.
“A outra propriedade desse anticorpo é que ele dura muito tempo no sangue. A gente imagina que vai ficar pelo menos seis meses, embora isso precise ser confirmado no primeiro estudo que vamos realizar possivelmente até o ano que vem. Vamos imaginar que começam a acontecer casos de zika. Imagine uma mulher está grávida neste contexto. Ela está no começo da gestação e as pessoas estão com zika ao lado dela. Você dá uma dose desse anticorpo para a mulher, que terá proteção adicional”, explica.
A ideia é testar, de início, de 30 a 40 voluntários saudáveis. O estudo com as grávidas será feito num segundo momento. Ainda não é possível afirmar como será o experimento, o número de participantes e de fases.
“Qual é o interesse dos Estados Unidos em desenvolver uma proteção contra o vírus zika, já que o clima lá não favorece a transmissão? É muito pequeno. Esse é o tipo de preocupação que é muito peculiar da nossa saúde pública. É tarefa dos brasileiros encontrarem a solução. Esse desenvolvimento que a gente vem procurando pavimentar no Instituto Butantan busca criar caminho para encontrarmos soluções próprias para nossos problemas. Do contrário, isso acaba se perpetuando como uma doença negligenciada, porque os países que têm mais condições de investimento e infraestrutura de desenvolvimento não se interessam. E o Butantan fazendo isso preenche essa lacuna”, finaliza Kallás.