A multidão estava atenta quando Tatiana Andia pegou o microfone: ela era uma heroína para muitos na sala, a mulher que negociou preços mais baixos de medicamentos para a Colômbia. Mas, naquele dia, em uma conferência para políticos e acadêmicos sobre o direito à saúde na América Latina, havia um tema mais íntimo que ela queria discutir.
“Há um ano, fui diagnosticada com um câncer terminal de pulmão“, começou ela, “um que é incurável, catastrófico, todos os adjetivos terríveis.” Ela deu uma pequena risada, reconhecendo que tudo aquilo soava absurdo.
O ar na sala de conferência lotada ficou imóvel.
Andia, 44, professora e ex-funcionária do Ministério da Saúde da Colômbia, disse que iria falar não como especialista, mas a partir de uma perspectiva diferente, recentemente adquirida, a de paciente. Uma questão específica de direitos à saúde a preocupava nesses dias, disse ela: o direito à morte. Ninguém, continuou ela, quer falar comigo sobre morrer.
Naquele dia, há um ano em Cartagena, Colômbia, Andia concluiu sua apresentação sem entrar em detalhes sobre como e quando morreria. Mas ela vinha fazendo planos há meses.
A Colômbia permite a morte assistida por médico —conhecida lá como eutanásia— há uma década. Foi o primeiro país na América Latina a permiti-la, um dos poucos no mundo na época, impulsionado por um tribunal superior liberal peticionado por um paciente terminal que buscava uma morte antecipada.
Um diagnóstico
Em julho de 2023, após férias fazendo caminhadas com seu marido, Andia foi a um médico em Bogotá por causa de uma dor aguda nas costas. Exames revelaram que a causa eram tumores envolvendo sua coluna —metástases de um câncer de pulmão incurável.
Ela se viu no consultório de Andrea Zuluaga, uma oncologista, que descreveu opções de tratamento que poderiam prolongar sua vida. Andia tinha uma pergunta diferente: como pessoas com essa condição morrem?
Zuluaga pareceu surpresa. Mas respondeu francamente: É um câncer de pulmão, então na maioria das vezes elas asfixiam.
“Isso não parecia ótimo”, contou Andia mais tarde, pontuando seu eufemismo com uma grande risada.
Evitar isso tornou-se seu objetivo. A questão era como fazê-lo. Como ela poderia morrer, com o mínimo de sofrimento, e enquanto ainda pudesse controlar o processo?
Quando foi recrutada para o Ministério da Saúde em 2014, ela estava animada para se juntar a colegas que estavam lidando com questões sociais sensíveis. Alguns estavam tentando expandir o acesso ao aborto, uma batalha de longa data. Outros haviam sido encarregados de algo novo: introduzir a morte assistida por médico no sistema nacional de saúde.
A morte medicamente assistida havia sido descriminalizada no país em 1997, mas nenhum governo colombiano queria escrever a lei que permitiria uma prática tão controversa. A questão ficou estagnada até 2013, quando o tribunal superior do país —pressionado por um segundo paciente terminal frustrado— ordenou que o Ministério da Saúde elaborasse regulamentações imediatamente.
As regras da Colômbia para a morte assistida, ela sabia, estavam entre as mais abrangentes do mundo; o procedimento é permitido para pacientes —mesmo crianças— com sofrimento insuportável, seja sua doença terminal ou não. Então, não havia dúvida de que ela seria elegível para que um médico encerrasse sua vida quando quisesse.
Mas isso não significava que ela soubesse como proceder. Poucos colombianos sabiam. Por ter surgido por ordem judicial, e não por legislação, não foi objeto de amplo debate público. Os médicos, desconfortáveis em acabar com vidas e relutantes em dar aos pacientes tanto controle, não o incentivaram, e até 2023 apenas 1 em cada 3 hospitais havia estabelecido os comitês de revisão exigidos. E as companhias de seguro de saúde, que nominalmente têm a tarefa de organizar mortes assistidas, são tão burocráticas que as pessoas morrem de sua doença ou desistem antes de conseguir acesso.
Como resultado, as mortes assistidas continuam raras. De 2015 a 2023, último ano para o qual os dados foram divulgados, houve um total de 692 mortes medicamente assistidas em um país de 53 milhões de pessoas.
Dentro de um mês após seu diagnóstico, Andia decidiu que documentaria seu caminho para a morte. Ela começou a escrever uma coluna de jornal e a aparecer regularmente em podcasts e programas de TV. Ela via esses esforços como mais uma maneira de ampliar o acesso à saúde, desmistificando o processo de morte assistida e trazendo-o para a conversa pública.
Linhas vermelhas
Andia traçou suas “linhas vermelhas”, os não-negociáveis. Ela não permitiria cirurgia em seu cérebro. Ela não se submeteria à quimioterapia, que a enfraqueceria sem prolongar significativamente sua vida.
Ela se sentiu mais livre para tomar essas decisões porque não tinha filhos, disse; se tivesse, isso poderia ter turvado sua clareza. Ela morreria antes de perder sua autonomia física, antes de perder sua capacidade de pensar com clareza, antes de não ter escolha a não ser depender de outras pessoas.
Mas havia um tratamento que ela concordou em tentar: uma imunoterapia que poderia lhe dar algum tempo. Era um comprimido diário com efeitos colaterais limitados. Custava ao serviço de saúde colombiano US$ 1.700 por mês (cerca de R$ 9.369) —ela verificou, é claro— em vez dos US$ 10 mil que custa nos Estados Unidos, por causa da reforma de preços de medicamentos que ela ajudou a implementar.
Por sete meses, esse medicamento manteve o câncer sob controle. Andia tirou licença do ensino, assim como seu marido, Andrés Molano, também professor. Eles viajaram para ver amigos, deram festas, beberam vinho em seu terraço e dançaram salsa, apertados um contra o outro.
Em fevereiro de 2024, ela começou a ter dores de cabeça tão excruciantes que não conseguia dizer seu próprio nome. A visão em seu olho esquerdo começou a se estreitar. Exames confirmaram que a terapia havia parado de funcionar, e agora havia tumores em seu cérebro.
Apenas dias suportáveis
Um ano após sua doença, Andia tinha que depender cada vez mais de Molano. Na manhã de seu discurso em Cartagena, ela tentou vestir um macacão favorito e ficou irremediavelmente enrolada nele porque sua perna esquerda estava cada vez mais dormente. Ela o atirou pelo quarto em um acesso de raiva e chorou por um tempo.
Andia estava profundamente na burocracia do morrer agora. Ela havia solicitado que sua seguradora de saúde organizasse sua morte assistida, mas ninguém respondia suas ligações ou emails. Ela encontrou o número de telefone de um executivo sênior que conhecia de seu trabalho no ministério e disse-lhe francamente que seu pedido para morrer estava sendo protelado.
Depois disso, seu processo avançou rapidamente. Ela escreveu em uma coluna que sabia que a maioria dos pacientes não teria suas conexões, seu perfil ou seu conhecimento do sistema.
Em agosto, Andia teve uma convulsão grave. No hospital, os médicos disseram a Molano e a seu pai que precisariam intubá-la, ou ela morreria. Os dois homens ficaram angustiados: ela tinha um claro pedido de “não ressuscitar” e estava em processo de solicitação de morte assistida. Mas esse tipo de planejamento antecipado era tão raro na Colômbia que os médicos iniciaram a intervenção. Eles só pararam no último momento quando o oncologista de Andia irrompeu na sala e insistiu.
Durante meia hora tensa, parecia ser o fim, mas Andia recuperou a consciência. Um psiquiatra foi chamado para avaliá-la. Ela estava profundamente debilitada, mas conseguiu mostrar-lhe, no telefone de Molano, que estava escrevendo sobre sua intenção de morrer há mais de um ano.
Ele autorizou seu direito de recusar tratamento —e, quase como um pensamento posterior, de ter uma morte assistida, uma das três aprovações que ela precisava de especialistas independentes (as outras eram de um advogado e um oncologista).
A recuperação de Andia da convulsão foi dolorosa e lenta; ela sentia como se estivesse presa em um saco profundo, disse ela, e incapaz de participar das conversas. “Não há dias bons, apenas dias suportáveis”, disse ela. Ainda assim, ela não marcou uma data para morrer.
Seu Último Desejo
Andia publicou sua última coluna em 26 de fevereiro, sob o título “Se Acabó La Fiesta” — a festa acabou. “Eu mesma simplifiquei demais a eutanásia”, escreveu. “Mas não é tão fácil, não é apenas uma formalidade. Como muitos outros direitos fundamentais, é bom e reconfortante que exista no papel, mas exercê-lo na prática é outra história.”
Nessa altura, dezenas de milhares de colombianos estavam seguindo sua história, observando-a navegar pelas linhas vermelhas em mudança. Ela queria que eles soubessem que ela estava traçando a última.
“A festa acabou, precisamente porque deixou de ser uma festa e se tornou um suplício. E não tenho que mostrar a ninguém o quanto sofro”, escreveu. “Eu me despeço com dignidade.”
Naquela noite, sua morte foi noticiada no jornal nacional da Colômbia. Estava em todos os jornais. Sua carreira foi celebrada. Nenhuma das histórias mencionou que ela havia morrido por morte assistida.
Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times.