Em 2018, a atriz americana Gwyneth Paltrow se viu no meio de uma disputa judicial depois de ser multada em US$ 145 mil (R$ 851 mil, na cotação atual) por propaganda enganosa. O motivo eram os “ovos vaginais” de jade e quartzo vendidos por sua marca de bem-estar, a Goop, que prometiam coisas como melhorar a vida sexual, regular os hormônios e reduzir incontinência urinária.
O problema? Não há nenhuma evidência científica de que eles funcionem —e ginecologistas apontam que podem trazer riscos, como o de ajudar bactérias a entrarem no canal vaginal.
O “ovo vaginal” foi descontinuado pela Goop, mas em uma busca rápida na internet é possível encontrar até versões brasileiras em lojas de terapias naturais. Ele é um exemplo quase caricato de uma questão muito mais ampla: como o autocuidado e a pseudociência podem andar de mãos dadas, e os riscos que isso pode trazer.
“A indústria do bem-estar é trilionária e largamente baseada em pseudociência”, afirma o professor Timothy Caulfield, da Universidade de Alberta, no Canadá. Ele é autor de livros como “Relax: A Guide to Everyday Health Decisions with More Facts and Less Worry” (Relaxe: um guia para decisões diárias de saúde com mais fatos e menos preocupações, em português) e “The Science of Celebrity… Or Is Gwyneth Paltrow Wrong About Everything?” (A ciência das celebridades… Ou Gwyneth Paltrow está errada sobre tudo?).
Segundo o Global Wellness Institute, o valor do mercado global de bem-estar era estimado em US$ 6,3 trilhões em 2023, que é o dado mais recente.
O autocuidado tem uma origem muito interessante, mas se distanciou muito disso no caso da indústria, que passou a vender produtos com benefícios que não estão comprovados”, diz Caulfield, que cunhou o termo “sciencesploitation”, uma junção das palavras “ciência” e “exploração”, em inglês.
Ele explica o conceito como sendo “uma das maneiras que a indústria do bem-estar faz para legitimar esses produtos, se aproveitando de pesquisas verdadeiras. Células-tronco, genoma, microbioma, sabe, essa linguagem que permeia a cultura pop porque é uma pesquisa genuinamente empolgante”.
O lifting facial com células-tronco, por exemplo, virou notícia por ser um dos brindes para os vencedores do Globo de Ouro, como a atriz Fernanda Torres. Mas as evidências sobre a eficácia do tratamento são controversas e muitas vezes apontadas por especialistas como anedóticas.
Mas ovos vaginais e liftings talvez um pouco menos eficazes à parte, especialistas veem com preocupação práticas como o abandono de tratamentos tradicionais para doenças graves em favor de terapias alternativas e não comprovadas cientificamente.
“O perigo é que pacientes com doenças como câncer, doenças degenerativas, que estão em posição vulnerável, acabem se voltando para o mercado de curas alternativas e deixando de seguir tratamentos reais que poderiam salvar suas vidas”, afirma a microbiologista Natália Pasternak, autora do livro “Que Bobagem!”, que fala sobre pseudociência.
Ela explica que dentro da mentalidade ligada ao bem-estar é comum haver uma preferência pelo natural, que pode levar pessoas a tratamentos como a terapia Gerson, que promete curar câncer por meio de dieta e práticas como enemas anais com café.
A terapia foi retratada na série “Vinagre de Maçã”, da Netflix, em que a personagem Milla decide rejeitar tratamentos convencionais para um tumor, que envolveria a amputação de um braço e quimioterapia, para seguir o protocolo alternativo.
A personagem foi baseada em uma influencer australiana, Jessica Ainscough, que morreu da doença aos 29 anos, em 2015 —a família de Jessica nega que ela tenha evitado totalmente a medicina tradicional e rejeita a caracterização da influencer pela série.
“Uma grande parte desse discurso está ligada ao medo. São conversar sobre ‘desintoxicar’, ‘desinflamar’ e que não são baseadas na realidade”, diz Caulfield. Um informe do governo americano sobre dietas “desintoxicadoras” afirma que “uma revisão de 2015 concluiu que não há evidências robustas sobre o uso de ‘dietas detox’ para o controle de peso ou a eliminação de toxinas do corpo”.
Apesar disso, a internet é um prato cheio para os produtos desinflamantes e detox. Por que produtos que não têm evidências (ou que já tiveram seus benefícios categoricamente desmentidos, como os ovos vaginais) continuam populares?
“A gente acredita nas coisas que nos fazem sentir mais confortáveis com a nossa ideologia, com o nosso grupo social, e também as que signifique menos mudanças na nossa vida”, diz Pasternak.