Página Inicial Saúde Alcoolismo não se trata apenas com fé – 21/04/2025 – Vida de Alcoólatra

Alcoolismo não se trata apenas com fé – 21/04/2025 – Vida de Alcoólatra

Publicado pela Redação

Ainda não tinha me curado da bebedeira quando Marta veio me acordar. “Sai daí, Alice, olha onde você está dormindo.” Era a despensa do bar que sempre frequentávamos. Eu conhecia os garçons e, depois de muita insistência da minha parte, eles me deixaram entrar naquele quartinho. Não tive dúvida, deitei ali mesmo.

“Você estava possuída, nem tem ideia do que fez, não é?” Não tinha. Marta estava certa. Ela podia me contar qualquer coisa que eu precisaria aceitar que, sim, tinha sido a protagonista de cada uma delas. Apagão total.

Além de tudo, minha mãe havia ligado 23 vezes. Vinte e três. As chamadas estavam lá, registradas no celular. Era um pesadelo, eu queria sumir.

Marta resolveu me levar a uma casa onde havia um terreiro, não sei dizer se era de umbanda ou candomblé. Todos vestiam branco e tentavam me explicar que eu precisava de tratamento espiritual. Marta me disse que algumas pessoas dali acreditavam que eu atraía forças negativas quando bebia e isso me deixava vulnerável. Só sei que chorei muito, estava muito assustada com minha relação com o álcool.

Naquele dia fui dormir com uma rosa branca que me deram e tomei chá conforme me aconselharam. Fiquei lembrando de quando meu pai, alcoólatra, estava em uma situação parecida e resolveram chamar um pai de santo para ir à nossa casa. O que mais me intrigou foi que, entre outras exigências, o babalorixá pediu um litro de pinga para a visita. Providenciaram tudo, não lembro quais eram os outros pedidos.

O pai de santo incorporou um espírito e foi falando um monte de coisa para todos os presentes. Minha irmã não quis assistir, mas eu fiquei acompanhando tudo com os olhos arregalados. Naquela época eu tinha uma síndrome de pânico incontrolável e aquela visita me fez mal. Mas entendo que o desespero fez minha mãe buscar ajuda em todas as frentes.

A filha de uma amiga minha, por exemplo, viu na Igreja evangélica um suporte para a mãe alcoólatra. Minha amiga não entendia nada de cultos e muito menos dos sermões do pastor, mas por um bom tempo ela frequentou o templo, sempre em companhia da filha. Ela não parou de beber e a filha ficou desolada — ela pedia muito, fazia mil orações, e às vezes a mãe ficava meses sem colocar um tico de álcool na boca. Mas chegava uma hora que não dava. O corpo dela pedia.

Eu também procurei igrejas, senhoras que faziam mandingas, casas espíritas e tantos outros apoios que nem lembro mais. Acredito piamente em todas as modalidades de fé, em todas as religiões. Mas elas em si não salvam um alcoólatra, e não há desdouro nisso.

Alguns dias atrás recebi uma carta de uma senhora muito revoltada com Deus porque os pedidos dela não estavam sendo atendidos. Eu entendo a raiva dela, mas infelizmente nenhuma divindade nem ninguém vai poder ajudar um alcoólatra se ele mesmo não estiver firmemente convencido a procurar ajuda especializada.

Encontrei um Deus maravilhoso que me acompanha na recuperação, que me ajudou a redescobrir o valor da vida, mas antes tive que abdicar da bebida e lutar muito para não recair.

Marta fica orgulhosa de mim, diz que sou muito corajosa. Acho graça.

Tudo a seu tempo, com muita fé para combater o medo e muita consciência para fazer as próprias escolhas. Amém.


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