Desde o início deste ano, os Estados Unidos têm registrado altos índices de contaminação de sarampo, causando surtos nos estados do Texas e do Novo México. Ao todo, são mais de 300 casos espalhados pelo país, principalmente em crianças não vacinadas.
Quando o médico Edward Jenner inventou a vacina da varíola, em 1796, surgiram simultaneamente os movimentos antivacina. Séculos antes, com a variolação —ato de esfregar o pus da lesão da varíola na pele para se tornar imune—, já existiam grupos opostos à prática.
Na época, religiosos protestavam dizendo que não se pode contrariar a vontade de Deus. E, se alguém está predestinado a morrer por causa da varíola, esse desejo deveria ser respeitado. Por outro lado, algumas pessoas sentiam medo de serem infectadas com o vírus por meio da vacina, ou até mesmo sofrerem com os efeitos colaterais que ela poderia ter.
São argumentos utilizados até os dias de hoje. “A ciência evolui, o antivacinismo não”, afirma Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A história do movimento antivax, ou antivacinismo, no mundo é dispersa e não linear. As motivações são vastas e os movimentos surgem em resposta a fatos diversos. Por exemplo, as revoltas no País de Gales, em 1853, e no Rio de Janeiro, em 1904, foram algumas que ocorreram contra a imposição da vacinação contra a varíola. Desde então, ligas antivacina foram criadas por todo o mundo.
Outros grupos característicos que se opõem à vacinação são os de motivação filosófica, como os naturopatas, homeopatas e antroposóficos.
Eles sugerem que o sistema imune pode ser sobrecarregado se exposto a muitos antígenos e que as vacinas poderiam induzir a autoimunidade —uma resposta inadequada do sistema imunológico, que ataca o próprio corpo.
Segundo Guido Levi, presidente da Comissão de Ética da SBIm e autor de livros como “Vacinar: sim ou não?” e “Pioneiros: conquistas e percalços”, o auge da hesitação vacinal aconteceu quando o médico inglês Andrew Wakefield publicou, em 1998, um estudo que relacionada a vacina MMR (contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo em crianças. Posteriormente, o médico foi desmentido e teve seu diploma cassado, mas a mensagem já havia sido espalhada.
“Até hoje os pais chegam e perguntam se eu tenho certeza que a vacina não vai causar autismo”, conta Levi.
A diretora da SBIm lembra que a pesquisa de Wakefield fez com que as pessoas perdessem a confiança nos médicos. Até porque, segundo ela, os grupos antivacina sempre usam argumentos simplistas, mas críveis, como a justificativa de serem embasados em estudos.
O Brasil sempre pareceu imune a esses grupos, chegando a ter índices de vacinação dignos de reconhecimento mundial. Atualmente, as religiões mais populares no país apoiam a vacina, e até a maioria dos médicos homeopatas passou a recomendá-las. Foi com a pandemia do coronavírus que as coisas começaram a mudar.
Manuela Pucca, biomédica imunologista e professora de imunologia na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, explica que isso se deu principalmente “por termos mais informação via mídias sociais”, gerando a alimentação da desinformação por meio do movimento algorítmico.
O caráter do antivacinismo durante a pandemia foi uma mescla dos grupos já existentes com um fator político forte, já que as principais autoridades nacionais questionaram a vacina da Covid e incentivaram a população a procurar soluções sem evidências científicas, como a cloroquina e a ivermectina.
“Abriu as portas para todos os antivacinistas com suas fake news. Tivemos um número enorme de desinformação em relação à doença e as suas vacinas”, diz Levi.
Hoje, o infectologista afirma que o Brasil está recuperando seus índices de vacinação que ficaram defasados durante a pandemia. Em novembro de 2024, o país recebeu novamente o certificado de erradicação do sarampo, que havia sido perdido em 2018.
Não se pode dizer o mesmo de outros países que também têm uma influência política na vacinação, como os Estados Unidos. Desde a campanha eleitoral, o presidente Donald Trump já bradava contra toda e qualquer vacina, e não apenas a da Covid. Ele proibiu as escolas de solicitarem o cartão de vacinação para matrícula das crianças.
“O resultado é que doenças que estavam esquecidas, que estavam quase que erradicadas, estão reaparecendo”, diz Levi. É o caso do sarampo, que está causando surto em diversos estados do país. “E a maioria dessas crianças não foram vacinadas“, afirma.
Pucca concorda que o antivacinismo desencadeou os surtos atuais de sarampo nos EUA, seja pelos movimentos populares ou até mesmo pela falta de informação e acesso. “Eles não têm um Sistema Único de Saúde e um Programa Nacional de Imunizações como nós temos.”