Há notícias novas e boas sobre tratamentos para dor na coluna na região lombar ou cervical. O problema, recorrendo ao lugar-comum, é que as notícias novas não são boas e as boas não são novas.
Novidade, mesmo, surgiu com a controvérsia pela publicação no periódico médico britânico BMJ de diretrizes desaconselhando várias intervenções hoje empregadas para dores na coluna. Instaurou-se logo a polêmica, com 34 sociedades de médicos intervencionistas protestando contra a recomendação negativa.
Em tela se encontram procedimentos como injeções epidurais ou intramusculares de analgésicos, esteroides ou combinação dos dois, ou como bloqueio de nervos. Mas a recomendação se aplica apenas a dores crônicas (mais de três meses) nas costas e no pescoço não associadas com câncer ou artropatias inflamatórias. Não vale, portanto, para lombalgias e cervicalgias agudas.
O painel internacional emissor da diretriz reuniu quatro pessoas com dor crônica na coluna, dez clínicos com experiência no tratamento dessa condição e oito especialistas em metodologia. Seu parecer se baseou nos estudos mais valorizados da medicina baseada em evidências, uma revisão sistemática de 132 estudos e uma meta-análise que agrupou dados de 81 deles.
O parecer concluiu haver certeza apenas moderada de, mesmo assim, pouca ou nenhuma eficácia nas práticas intervencionistas. A análise indicou que “nenhum procedimento intervencionista comumente realizado ofereceu evidência convincente de alívio importante da dor ou de melhora na função física para dor crônica axial ou radial de coluna”.
Lombalgias acometem globalmente um quinto dos adultos com 20 a 59 anos, e acima disso no caso dos mais idosos. É a principal fonte de incapacitação no mundo, com alto custo de tratamento: nos EUA despendeu-se em 2016 a cifra de US$ 134,5 bilhões (R$ 764 bilhões) com isso, maior despesa médica naquele país —e quase um décimo desse dinheiro saiu dos bolsos dos próprios pacientes.
Os procedimentos ora desaconselhados, apesar do parco suporte em evidências, estão em alta. Os dados citados são mais uma vez dos EUA: injeções epidurais de esteroides na lombar, por exemplo, aumentaram 271% de 1994 a 2001.
Clínicas que fazem bloqueios de nervos no Canadá chegam a faturar mais de R$ 3 milhões por ano. Não surpreende que os estudos mais favoráveis às intervenções tenham predominância de médicos intervencionistas entre seus autores. Nem que as 34 sociedades profissionais estejam a exigir o cancelamento da publicação —coisa que o BMJ se recusou a fazer.
E a boa notícia, então, qual seria? Coisa antiga e sabida: assim funciona a prática científica, aperfeiçoando a evidência disponível para orientar ações humanas com o acúmulo progressivo de dados confiáveis. Com mais informação, médicos tomarão decisões melhores e pacientes terão melhores condições de optar ou não por certos tratamentos e avaliar-lhes objetivamente a relação custo-benefício.
Os próprios autores da diretriz controversa alertam haver necessidade de mais pesquisas, que podem alterar de novo as recomendações futuras. Assim caminha a humanidade, de mãos dadas com a melhor pesquisa científica –de preferência com menos dor nas costas e mais dinheiro no bolso.
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