Página Inicial Saúde Em Bogotá, usuários de drogas têm sala para uso seguro – 29/04/2025 – Equilíbrio e Saúde

Em Bogotá, usuários de drogas têm sala para uso seguro – 29/04/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Em uma sala sem identificação na porta, em uma movimentada rua do distrito de Santa Fé, no centro de Bogotá, usuários fazem consumo supervisionado de drogas injetáveis, dentro de um programa de redução de danos que se propõe a evitar overdoses, prevenir a transmissão de doenças e oferecer suporte aos dependentes vulneráveis.

Conhecido como Projeto Cambie, a iniciativa é pioneira na América do Sul. Oferta não só agulhas estéreis e outros materiais usados no consumo de drogas, como a cocaína e heroína, mas também comida, roupas limpas, oportunidades de emprego e encaminhamento a serviços de saúde quando o usuário deseja buscar a abstinência ou a reduzir o consumo.

O programa faz parte da Acción Técnica Social (ATS), uma organização sem fins lucrativos dedicada a criar políticas públicas, programas sociais e estratégias de redução de danos ao uso de drogas e foi apresentado como modelo de estratégia em uma conferência internacional de redução de danos, que acontece até a próxima quarta (30) em Bogotá (Colômbia).

O encontro reúne pesquisadores, formuladores de políticas, profissionais da linha de frente, organizações da sociedade civil e ativistas. Segundo Shaun Shelly, diretora-executiva da Harm Reduction Internacional, organização britânica que subsidia políticas na área de redução de danos, políticas punitivas contra as drogas devastaram vidas, alimentaram a violência e desestabilizaram nações inteiras. “Essa chamada ‘guerra às drogas’ nunca teve a ver com saúde pública. Ela enriqueceu os aproveitadores e criminalizou os pobres. Visava os vulneráveis, ao mesmo tempo em que enriquecia aqueles no topo da cadeia de suprimentos”, disse, em entrevista a jornalistas.

Desde 1986, é legal na Colômbia cultivar para uso pessoal até 20 plantas de maconha, coca e papoula. Em 1994, o Tribunal Constitucional do país decidiu ainda que os indivíduos têm o direito de consumir substâncias psicoativas sem enfrentar consequências legais. Atualmente é permitido até 20 gramas de maconha, 5 gramas de haxixe e 1 grama de cocaína.

Todas as drogas para uso pessoal foram descriminalizadas na Colômbia em 2009 e, nas últimas três décadas, outros 14 países da região latino-americana descriminalizaram pelo menos um tipo de droga para uso pessoal e/ou posse.

Inaugurado em 2023, o projeto apoia 88 pessoas, a maioria moradores de rua e migrantes, principalmente da Venezuela e sobrevive com doações internacionais. No local, foram realizadas mais de 2.000 injeções supervisionadas.

Quando os usuários chegam ao local, eles escrevem seus nomes e listam o tipo de substâncias que carregam e a quantidade. Devolvem as seringas usadas e ganham novas. Lá dentro, sentam-se em uma das quatro cabines. Cada uma tem espelho, bandeja de metal e recipientes de descarte adequados.

Segundo o enfermeiro Daniel Rojas, coordenador geral do programa, em 15 meses foram atendidas 14 overdoses relacionados ao uso da heroína. A equipe também administra doses de naloxona, um medicamento que salva vidas e reverte overdoses de opioides.

O cozinheiro Christian Camilo Amaya, 34, usuário de cocaína, é frequentador do local e diz que já perdeu amigos vítimas de overdose. Afirma que depois de conhecer o projeto, conseguiu um emprego e mudou o padrão de consumo. “Uso de forma recreativa, nos fins de semana ou em festas. Quando estou trabalhando, não penso em consumir”, disse ele à Folha.

Rojas afirma que o objetivo principal do Cambie é minimizar os danos associados ao uso de drogas tanto para o usuário quanto para comunidade em geral. Ao oferecer um ambiente supervisionado, o projeto reduz o uso público de drogas e os riscos propagação de doenças como HIV e hepatite, por compartilhamento de seringas.

Segundo Beatriz García, também enfermeira do projeto, no início, houve uma certa resistência dos moradores próximos ao local, que temiam uma deterioração ainda maior da área. “Mas aconteceu o contrário. Cuidamos para que não haja consumo no entorno e recolhemos seringas de outros usuários nas ruas. Agora, todos aprovam.”

Outro projeto colombiano elogiado na conferência, também da ATS, oferece testes e análises físico-químicas que permitem identificar a presença ou ausência de uma substância específica, a quantidade dessa substância na amostra e a presença de outras que configuram adulteração.

Foi por meio do projeto que pesquisadores colombianos tomaram conhecimento da ascensão no país do “tusi”, também conhecida como cocaína rosa, uma mistura que inclui MDMA, cetamina, cafeína e cocaína, mas que também pode incluir uma miríade de outras substâncias, como os benzoadiazepínicos.

“As pessoas usam substâncias, então, é bom que saibam o que estão usando”, afirma o químico Mario Diaz, que atua no projeto.

A repórter viajou a Bogotá a convite da Harm Reduction Internacional

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