[RESUMO] Ficar muito tempo sentado é tão prejudicial à saúde quanto fumar —e não importa o que você faça enquanto está sentado, se é por trabalho ou por lazer, por preguiça ou mesmo falta de opção. Segundo a OMS, o sedentarismo vai alcançar o cigarro no número de mortes precoces e evitáveis no nosso século, 800 milhões de pessoas.
Vamos ao pior de tudo logo de cara, que assustados costumamos agir. Ou, pelo menos, prometemos mudar os hábitos nocivos na próxima segunda-feira. Ei-lo: mesmo quem vai à academia religiosamente ou corre dez quilômetros toda manhã e depois passa a maior parte do resto do dia sentado é considerado um sedentário.
A palavra sedentário, aliás, vem do latim “sedentarius”, que significa “aquele que permanece sentado”, derivado de “sedere”, que significa “sentar”. Originalmente, o termo era usado para descrever pessoas ou estilos de vida associados a pouca movimentação física —como agricultores fixos em um lugar (em contraste com povos nômades). Com o tempo, passou a ser usado especialmente para descrever hábitos de vida com pouca atividade física, como passar muito tempo sentado ou inativo.
“Na medicina de estilo de vida, se você passa oito horas por dia sentado, não importa se faça ginástica programada sete dias por semana, você tem um comportamento sedentário. Isso será um indicativo para problemas crônicos de saúde”, diz a fisioterapeuta Valdirene Morette Canhestro.
Canhestro é especializada em RPG (reeducação postural global) e tem pós-graduação em medicina do estilo de vida. É a primeira —e, até agora, a única— fisioterapeuta do Brasil certificada em medicina de estilo de vida pela IBLM (International Board Lifestyle Medicine), uma organização internacional sediada na Califórnia que tem a missão de padronizar e certificar profissionais de saúde nessa modalidade.
Por sua vez, a medicina de estilo de vida é uma abordagem médica focada na prevenção, no tratamento e até na reversão de doenças crônicas por meio da modificação de hábitos cotidianos. Já ouviu falar em boa alimentação, exercício físico, bom sono, gerenciamento de estresse, vida social e não a substâncias tóxicas? Pois são esses os pilares da medicina de estilo de vida.
Até agora. A partir de diversos estudos publicados nos últimos anos, vai ter que incluir mais um mandamento: não passar muito tempo sentado. “Assim como a circunferência abdominal é um fator de risco para problemas cardiovasculares, mesmo que a pessoa seja magra, se ela tem uma circunferência abdominal maior do que deveria (80 cm para mulheres, 94 cm para homens), tem esse risco. O estar sentado já é, hoje, considerado um fator de risco à parte”, afirma a fisioterapeuta.
“Essa informação é relativamente nova para mim, surgiu no meu horizonte há quatro, cinco anos”, diz Drauzio Varella, médico, escritor e colunista da Folha. “Tem muitas coisas que a gente sente no corpo, mas que levam um tempão para serem demonstradas cientificamente. Por exemplo, eu corro e, já nos anos 1990, eu dizia que a atividade física é antidepressiva e ansiolítica. Mas toda vez que eu discutia isso com os psiquiatras naquela época, eles diziam: ‘Não, Drauzio, não existe essa informação, não tem nenhuma evidência científica’.”
“Hoje, a gente sabe que são liberadas pequenas moléculas na contração muscular —as endorfinas são as mais famosas, mas não são só elas—, e essas moléculas atravessam a barreira hemo-líquida, que existe entre o sangue e o liquor, e elas agem no sistema nervoso central, no centro de recompensa. Isso dá uma tranquilidade e existe um substrato molecular que justifica”, completa.
“A história da nossa vida é a história do movimento”, afirma o ortopedista Rafael Ortiz. “Somos herdeiros genéticos de uma grande cadeia evolutiva de indivíduos que se habituaram a se movimentar. Nosso corpo é preparado para isso. Temos centenas de ossos, músculos, tendões, ligamentos cobertos por uma pele elástica que permite que a gente se mova para um lado e para o outro. É contra a natureza passar tanto tempo sentado.”
Mas não é que esse comportamento seja novidade. Poupar energia, ou seja, ficar sentado em vez de em movimento ou mesmo jogado em um sofá na frente de uma tela, na sua versão mais atual e realista, são instintos tão naturais quanto sexo e comida, que um dia foram essenciais para a nossa sobrevivência, assim como a capacidade de estocar gordura. Esse tempo, no entanto, ficou para trás.
Então, por que nosso corpo não se adaptou às mudanças de comportamento? Por que não encurtaram nossas pernas, nossos braços, nossos pescoços? Por que, ó céus, não afinaram de vez nossas cinturas?
“As mudanças genéticas acontecem por causa de pressão de seleção. Elas não acontecem porque alguma coisa não tem mais uso, e sim porque o indivíduo que tem uma modificação corporal que facilita a vida dele tende a deixar mais herdeiros. Coisas que não atrapalham continuam existindo”, afirma Ortiz.
Além do que, essas coisas demoram a se manifestar. Nós somos mais ou menos os mesmos há 300 mil anos. As últimas alterações genéticas significativas na nossa espécie aconteceram há cerca de 10 mil anos, impulsionadas principalmente pelo surgimento da agricultura e pela domesticação de algumas espécies animais.
As mais perceptíveis são a tolerância à lactose na vida adulta, a adaptação a altitudes elevadas e a maior resistência a doenças infecciosas. Não é que a evolução humana esteja estagnada, esse processo não para nunca. Talvez estejamos selecionando novas gerações de pessoas resistentes a alimentos ultraprocessados, com olhos adaptados à luz artificial das telas e com sistema respiratório imune à poluição. Pena que não vamos estar aqui para ver.
“Na minha observação, depois da pandemia provocada pela Covid-19, estamos vivendo uma outra pandemia, essa de tendinite glútea e bursite trocantérica”, diz a professora de ginástica e dança Cláudia Mello, criadora de um método próprio de ginástica que une fisioterapia, RPG, dança, pilates e musculação. Ou seja: tem muita gente com dores novas, que não tinha antes, na região do quadril e da bunda, propriamente dita.
“Em cada classe de 15 ou 16 alunos, tenho pelo menos 3 com esses sintomas”, afirma Mello. “Tudo por falta de função nos glúteos, que são três músculos grandes e fibrosos que formam nossas nádegas e existem para facilitar nosso deslocamento em pé, para ajudar o corpo a se manter ereto em movimento. Esses músculos ficam totalmente amassados, esmigalhados, quando sentamos.”
A função dos músculos, assim como dos ossos, das vértebras, dos olhos e até dos nossos gestos são objeto de estudo constante da professora, que não para nunca de pesquisar o corpo humano e criar aulas que acompanhem o que há de mais moderno em termos de estudos científicos, ao mesmo tempo que honra as limitações de cada aluno e não despreza a passagem do tempo.
“Na biologia, tudo o que não tem função perde a função, tudo”, diz Mello. É que nem na vida. Se você não pratica uma língua que estudou na infância, esquece. Se não treinar um esporte que aprendeu em um acampamento de verão, pode até continuar sabendo as regras, mas não vai mais jogar tão bem. Até andar de bicicleta, que costuma ser o exemplo de algo que, uma vez aprendido, não se esquece jamais, se não tiver prática, não tem solução.
Agora, se essa conversa está parecendo um pouco distante de suas preocupações mais elementares e cotidianas, apelamos ao que não costuma falhar: a vaidade. As revistas de moda e beleza, comumente voltadas ao público feminino, já batizaram o mais temível dos sintomas da pandemia de sedentarismo com um nome devidamente assustador: amnésia glútea.
Pode-se chamar de síndrome do glúteo adormecido ou simplesmente de bunda mole. Em inglês, o nome é imbatível: “dead butt syndrome”, síndrome da bunda morta. Não é uma amnésia real, não acontece no cérebro, é um termo informal para a inibição neuromuscular desses três músculos, que acontece por falta de uso. Mas, se não for corrigida, pode causar dores crônicas, provocar desequilíbrio e comprometer a performance física, inclusive da função para a qual veio ao mundo: a caminhada.
A moleza da bunda, ou falta de firmeza, ou mesmo a tendência a apontar mais para baixo que para trás, portanto, não deve ser vista com o mesmo desprezo com que se enxergam, por exemplo, as rugas de expressão. Não é só por uma questão de concorrência que devemos manter nossas bundas firmes, muito menos para disfarçar nosso tempo na Terra. As bundas não são almofadas para aconchegar a posição sentada nem um acessório que realça o caimento de certas peças de roupa. Elas existem para nos fazer ir adiante.
Além disso, por melhor que seja a cadeira em que passamos muitas horas sentados, com a tela do computador na altura dos olhos, o teclado anatômico e seja mais o que se invente para tornar o tempo de trabalho menos problemático, a verdade é que a gente vai se desmontando com o passar das horas.
Aí, em vez de manter os pés firmes no chão, o peso igualmente distribuído e em cima dos ísquios, um dos três ossos do quadril (junto com o ílio e o púbis), localizado na parte de trás da pelve, entre o fim da coxa e o começo da bunda, a coluna empilhada como a natureza quis, com uma curva na lombar devidamente apoiada e outra na cervical e os olhos na horizontal, sem fazer a cabeça pender para baixo, forçando o pescoço, a gente vai achando uma maneira mais confortável de ficar na cadeira.
Quem acaba com grande parte do nosso peso é a região lombar, que não tem o menor talento de halterofilista e é uma das campeãs das dores nos consultórios de ortopedistas e fisioterapeutas. O peso excessivo e repetitivo na lombar provoca hérnias de disco e um achatamento em todas as articulações envolvidas nessa posição que não é natural.
Além disso, as pernas, mesmo se ficarem na melhor posição possível, com ângulos de 90 graus entre a pelve e a coxa assim como entre a coxa e a canela, dificultam horrores a volta do sangue, que tem na contração dos músculos da panturrilha, o que só acontece quando estamos em movimento, seu grande propulsor.
Até o que já nos foi ensinado para melhorar nossa saúde durante as horas de trabalho acaba por nos prejudicar. Tanto a cadeira confortável quanto a onipresente garrafinha de água que garante nossa hidratação nos tornam mais sedentários.
“O melhor é ter uma boa cadeira, mas também uma boa ampulheta, ou um toque no celular, que seja, que nos lembre de levantar e nos movimentar a cada uma hora, no máximo”, diz Valdirene Canhestro. “E não traga a água para a mesa de trabalho, vá até o bebedouro coletivo sempre que tiver sede. Até porque, cada vez que a gente se levanta, quando senta de novo tende a fazê-lo da forma correta”, completa a fisioterapeuta.
“Tem que se movimentar durante o dia, não tem outra opção. Nosso corpo foi feito para o movimento. A gente precisa recuperar essas atividades cotidianas que, nas cidades grandes, acabaram terceirizadas. Precisamos levar os filhos na escola a pé, ir à padaria do bairro, passear com os cachorros”, diz Claudia Mello.
“Nenhum atleta de alta performance, nenhum jogador da seleção, nenhuma bailarina clássica, nenhuma ginasta olímpica usa os mesmos músculos, da mesma maneira, oito horas por dia”, afirma a professora de ginástica e dança.
Então, quem somos nós, pobres mortais, para nos tornarmos sedentários de alta performance sem pagar um preço alto por isso? Dá saudade do tempo em que as pesquisas científicas ameaçavam com doenças terríveis só os que se divertiam além da conta, com muita comida, muita bebida, drogas, pouco sono.
“Tem uma frase do Machado de Assis que eu gosto muito. É terrível, mas muito boa. Ele diz algo assim: ‘O câncer não respeita as virtudes da pessoa'”, afirma Drauzio Varella. “Eu diria que o modo de vida moderno não nos favorece e a natureza é impiedosa.”