Ouço há 40 anos promessas da fusão nuclear, fonte utópica de energia que imitaria a fornalha das estrelas para inaugurar um paraíso elétrico na Terra. As boas novas, porém, só vêm em conta-gotas, como a da quarta-feira (30) com o Reator Termonuclear Experimental Internacional (Iter, em inglês).
“Numa realização marcante para a fusão nuclear, o Iter completou todos os componentes do mais poderoso sistema eletromagnético supercondutor de pulso”, comemorava comunicado da iniciativa que reúne China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, Rússia e União Europeia.
A instalação em Saint-Paul-lez-Durance, sul da França, recebeu o sexto e último módulo do solenoide central, peça chave de um eletroímã com poder suficiente para erguer um porta-aviões. O componente foi construído e testado nos EUA.
Toda essa força é imprescindível para confinar, aquecer e fundir átomos de poucos gramas de hidrogênio num tokamak, reator em formato de câmara de pneu. A fusão produz átomos de hélio e, se espera, uma quantidade de energia até dez vezes maior do que a injetada no aparato.
Tudo é gigantesco no Iter. O conjunto de magnetos pesará 10 mil toneladas. Sua matéria-prima incluiu 100 mil km de fios supercondutores fabricados em seis países com nióbio, estanho e titânio. Alguns magnetos chegam a 24 m de diâmetro.
Iniciado em 2006, o projeto vai custar €25 bilhões (R$ 160 bilhões) e não deve alcançar ignição antes de 2039. Ignição, no caso, é gerar mais energia do que se consumiu para acionar os magnetos e aquecer o plasma em que se pretende realizar a fusão, ponto a partir do qual a reação se sustentaria.
Seria uma fonte de energia copiosa e limpa, bem o que o planeta necessita para enfrentar o desafio de livrar-se dos fósseis petróleo, carvão mineral e gás natural que propelem o aquecimento global com emissões de carbono. Centrais atômicas não emitem CO2, mas são caras e produzem lixo nuclear.
Usinas eólicas e fotovoltaicas são limpas, porém intermitentes. Hidrelétricas produzem energia de modo contínuo, mas inundam grandes áreas naturais, desfiguram rios e deslocam populações; além disso, o potencial explorável vai se esgotando em muitas regiões, como o Sudeste do Brasil.
Daí todo o interesse na fusão nuclear. A ignição até já foi alcançada, mas não num tokamak como o Iter, e sim na Instalação Nacional de Ignição (NIF em inglês) do Laboratório Nacional Lawrence Livermore dos EUA, em dezembro de 2022.
O NIF segue desenho diferente, em que lasers bombardeiam uma cápsula do tamanho de borrachas de lápis que contém amostra de hidrogênio pequena como um grão de pimenta-do-reino. A cápsula se contrai e implode, pressionando a amostra até detonar a fusão.
Tais micro-explosões já aconteceram quatro vezes em 2022 e 2023. Na mais eficiente a energia produzida se revelou 90% maior do que a fornecida ao dispositivo. Daí não sairá, contudo, uma usina como a que se pretende construir com tokamaks, pois milhões de cápsulas teriam de ser fabricadas a cada dia.
Com sorte a fusão nuclear proverá na segunda metade deste século a energia de que precisamos. Mas até lá estaremos fritos com o aquecimento global por combustíveis fósseis.
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