O governo federal dos Estados Unidos publicou na quinta-feira (1º) um relatório que afirma não haver evidências científicas suficientes para justificar o uso de tratamentos hormonais e cirúrgicos em adolescentes com disforia de gênero. O documento também expressa preocupação com possíveis danos a longo prazo, em uma guinada significativa em relação às recomendações anteriores da própria agência e ao posicionamento das principais entidades médicas do país.
O relatório dá prioridade à psicoterapia como abordagem principal no tratamento da disforia de gênero —uma intervenção controversa, que muitos defensores e profissionais da saúde equiparam às chamadas terapias de conversão, amplamente condenadas pela comunidade científica.
Trechos do documento também parecem questionar a própria ideia de que algumas pessoas possuem identidade de gênero distinta do sexo atribuído ao nascer.
Em janeiro, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva intitulada “Protegendo Crianças da Mutilação Química e Cirúrgica”. O texto determinava que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) elaborasse, em até 90 dias, um relatório com diretrizes para o atendimento de jovens cuja identidade de gênero não coincide com o sexo biológico.
A ordem, no entanto, já antecipava a posição do governo ao classificar os tratamentos de transição de gênero para menores como “um dano flagrante às crianças” e uma “mancha na história da nação”.
De forma incomum para um documento técnico oficial, os autores do relatório não foram identificados. Segundo o HHS, uma revisão pós-publicação será realizada nos “próximos dias”. A pasta não esclareceu quais serão os critérios ou responsáveis por esse processo.
O relatório afirma que não tem o objetivo de estabelecer padrões médicos nem apresentar recomendações de política pública. Baseia-se, principalmente, em uma análise de revisões científicas publicadas nas últimas décadas sobre bloqueadores de puberdade, terapias hormonais e cirurgias de redesignação sexual em adolescentes.
O parecer conclui que os benefícios dessas intervenções médicas são incertos, ao passo que os riscos —como a perda de fertilidade— são mais concretos.
A Academia Americana de Pediatria está conduzindo sua própria revisão das evidências disponíveis. A instituição, assim como a maioria das principais entidades médicas dos Estados Unidos, continua a apoiar os tratamentos de afirmação de gênero como eficazes no alívio do sofrimento psicológico vivido por muitos jovens trans.
“Este relatório deturpa o consenso médico atual e ignora a realidade da prática pediátrica”, afirmou Susan Kressly, presidente da academia. “Prioriza opiniões em detrimento de uma análise imparcial das evidências.”