Minha mãe tem uma motosserra Todo ano, quando o Dia das Mães se aproxima, vai me dando uma urticária emocional. Fico toda empipocada só de olhar para as propagandas exibindo mães e filhos de mãos dadas, correndo felizes por campos de girassóis. Minha relação com a minha mãe está mais para pantanosa, e agradá-la com presentes é tão impossível quanto negociar com o Putin. Alérgica a perfume, dona Marialice também tem enxaquecas com chocolate. E comprar roupas para quem mede um metro e quarenta e oito é uma missão impossível. Bermuda nela vira calça, e calça tem que cortar pela metade pra caber —o que me leva de volta à bermuda.
Me lembro como se fosse hoje do dia em que estávamos tomando café da manhã, quando ela apareceu animada na porta da cozinha. “Adivinhem o que eu quero ganhar de Dia das Mães?” “O quê?”, perguntamos esperançosos. “Uma motosserra”, respondeu ela, com a naturalidade de quem pede um babyliss ou uma jaquetinha jeans.
Justificou a escolha dizendo que precisava cortar umas árvores no jardim e a melhor opção de motosserra era a Husqvarna, uma marca sueca.
Chegado o Dia das Mães, meu pai entregou a ela a arma do Jason, de “Sexta-feira 13”, embrulhada para presente. Como se um mísero lacinho de cetim fosse dar conta de normalizar aquela loucura. Empolgada, lá foi ela pro jardim testar seu presentinho. De óculos de natação —para não voar nenhum pedaço de madeira nos olhos (segurança em primeiro lugar!)— e com um boné estampando o número de um vereador de Guarujá, ela ligou a geringonça de dentes afiados. Vrrrruuuum. Com uma força descomunal, nossa amada anã de jardim começou a cortar árvores que mediam mais de dez metros de altura. Quando o tronco finalmente ficava por um fio, ela passava um cinto de couro velho do meu pai, se pendurava nele fazendo força para baixo e gritava: “Madeeeeeeiraaaaa!”.
A princípio, ríamos, achando aquilo tudo muito divertido —até que ela começou a gritar que ia morrer.
Debaixo de um sol escaldante, mamãe não notou que sua pressão estava despencando, até o momento em que já via tudo preto. Largou a Husqvarna no chão e saiu correndo desnorteada, até bater com o nariz em uma porta de vidro da casa.
Naquele Dia das Mães, nosso passeio foi andar de ambulância. Enquanto o médico a anestesiava para arrumar o nariz quebrado, eu não parava de remoer: por que eu não tenho uma mãe normal? Daquelas que fazem jardinagem, levam no parquinho e passeiam com os filhos no shopping.
Hipocondríaca por natureza, minha mãe sempre demonstrou seu amor levando minha irmã e eu para fazer todo tipo de exames: fezes, sangue, urina —vários potinhos de coleta repletos de amor.
Quando fiquei grávida, meu maior medo não era a dor do parto, mas me parecer com ela. No entanto foi justamente minha mãe —e somente ela— quem percebeu que eu não estava batendo bem da cabeça logo depois do nascimento do bebê. Abatida, confusa, eu não tomava banho e estava mergulhada em uma depressão pós-parto. Recebia as entregas em casa com o absorvente de seio do lado de fora da blusa, dava tapinhas ansiosos nas costas do celular, de tanto repetir isso nervosamente com a recém-nascida chorando em meus braços.
Num gesto instintivo, ela me pôs no colo. Me lembro como se fosse hoje: ela vestia um casaco fofinho que me fez sentir em um útero de nylon. Me deu banho e me ajudou a levantar.
Entendi que aquele sentimento não era desconhecido para ela. Entendi o pavor que é ter um filho doente (faço menos exames na Nina, mas não estou tão longe assim). Entendi que o que ela queria mesmo era cortar meu pai ao meio (por sorte, foram “só” as árvores). Ser mãe é mesmo de pirar qualquer uma. A gente enlouquece de raiva, de frustração, mas, sobretudo, enlouquece mesmo é de amor. E atire a primeira camisa de força a mulher que não se sente enlouquecida —dia sim e no outro também.