Manter uma vida religiosa ou espiritual ativa pode trazer benefícios concretos à saúde física, inclusive com efeitos a longo prazo. É o que mostra um novo estudo publicado na revista científica Plos One. O trabalho, que acompanhou uma amostra de americanos, conclui que o envolvimento com práticas espirituais pode ser um antecedente da saúde, e não apenas uma consequência dela.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) já inclui a espiritualidade no conceito ampliado de saúde, que busca tratar o paciente como um todo. Hugo Moura, geriatra do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Pernambuco (HC-UFPE), afirma que fatores emocionais e sociais influenciam diretamente a resposta a diferentes tratamentos, sobretudo em pacientes idosos ou em situação de vulnerabilidade.
Especialmente nos cuidados paliativos, Moura afirma que “é preciso dar conta de demandas que vão além da fisiopatologia específica da doença”. Dessa forma, para ele, a espiritualidade é uma força interna que auxilia, não só na adesão às terapias propostas, mas também no manejo da dor que se estende às dimensões mental, social e existencial.
Além disso, pacientes com espiritualidade mais desenvolvida costumam apresentar maior resiliência diante da perda de funcionalidade e da proximidade da morte. Por fim, existe também um papel importante prestado pela comunidade religiosa como rede de apoio para essas pessoas em momentos de vulnerabilidade.
A pesquisa americana foi conduzida com mais de 3.000 participantes em uma avaliação inicial, dos quais 600 voltaram para uma reavaliação seis anos depois. A partir das informações fornecidas por cada um dos voluntários —como frequência das práticas religiosas e de oração, fé proferida, comprometimento pessoal e estratégias de enfrentamento de problemas—, eles foram classificados segundo o seu engajamento espiritual.
Em seguida, os pesquisadores utilizaram métodos de modelagem de dados para avaliar a relação entre a espiritualidade e a saúde física autoavaliada, levando em consideração outros quesitos, como idade, sexo, renda, escolaridade e raça, que poderiam ser confudidores das estatísticas.
Os resultados mostram uma correlação relevante entre pessoas que demonstraram maior engajamento religioso na avaliação inicial e uma melhor condição de saúde física na reavaliação. Em particular, essa associação foi mais evidente entre os participantes mais velhos. Em contrapartida, uma boa saúde na primeira fase do estudo não foi um preditor significativo de maior religiosidade no futuro, observação que levou os especialistas à conclusão de que a espiritualidade antecede uma boa condição de saúde, e não o contrário.
Entretanto, segundo os próprios autores do estudo, são necessárias pesquisas futuras que explorem mais a fundo a diversidade de crenças religiosas e que utilizem mediadores biológicos, como marcadores inflamatórios, para entender melhor como práticas espirituais podem contribuir para a longevidade e a qualidade de vida.
São muitas, porém, as evidências que associam fé, espiritualidade e saúde física. Um estudo realizado com 112 pessoas hospitalizadas por Covid na Romênia, por exemplo, revelou que, embora grupos de pacientes mais e menos religiosos tivessem comorbidades semelhantes e grau similar de comprometimento pulmonar, os mais espiritualizados apresentaram menor mortalidade, com taxa de 1% contra 14% nos menos religiosos.
Grandes sociedades médicas já reconhecem o papel da espiritualidade no bem‑estar, como a Sociedade Americana de Geriatria, a Europeia de Cuidados Paliativos e a Brasileira de Cardiologia, que já possuem orientações sobre como integrar a dimensão espiritual ao tratamento.
Hugo Moura ressalta, entretanto, que é preciso observar o equilíbrio entre religiosidade e comprometimento com a terapia médica adequada. Segundo ele, crenças extremas podem gerar falsas esperanças e atrapalhar o tratamento clínico com promessas de curas extraordinárias. Os estudos mostram que a religiosidade gera resultados positivos quanto combinada com o tratamento. “Eu não estou aqui para dizer que você não tem que acreditar no seu milagre. Mas peço que também veja o milagre diário que pode acontecer no tratamento”, afirma o especialista.
Frederico Leão, pesquisador e professor da USP (Universidade de São Paulo), explica que a frustração com a religião durante o curso de uma doença também pode prejudicar o tratamento. Esse fenômeno é chamado de coping negativo no meio especializado.
“O coping positivo envolve encarar a doença com fé e esperança, acreditando, por exemplo, que Deus está ao seu lado”, afirma o especialista. “Já o coping negativo envolve sentimentos de punição ou abandono divino. O primeiro tende a estar associado a melhores desfechos de saúde”.
Um estudo do ano passado reforça a importância da religião como instrumento para o enfrentamento de enfermidades pela população brasileira e avalia o fenômeno do coping, ou enfrentamento.
Conduzido na Bahia, o trabalho acompanhou 100 pacientes em hemodiálise, com média de idade de 55 anos, de diferentes vertentes religiosas. Os resultados mostram que, em média, prevaleceu o enfrentamento religioso positivo, especialmente entre os professantes do candomblé. Por outro lado, o coping negativo foi mais comum entre os pacientes evangélicos.
Para os autores da pesquisa, é importante que os profissionais de saúde compreendam essas estratégias de enfrentamento para oferecer um suporte mais eficaz, já que o envolvimento com a religiosidade e a espiritualidade pode favorecer a aceitação da doença e reduzir o risco de complicações, como depressão ou ansiedade.