Página Inicial Saúde O que é preciso para ser uma mulher ‘bem cuidada’ – 15/05/2025 – Equilíbrio

O que é preciso para ser uma mulher ‘bem cuidada’ – 15/05/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Ao encontrar a escritora Amy Larocca em um café no bairro de Boerum Hill, no Brooklyn (EUA), em uma tarde recente, foi impossível não notar: ela parecia ter o “brilho” de quem se cuida.

O “brilho”, segundo Larocca descreve em “How to Be Well: Navigating Our Self-Care Epidemic, One Dubious Cure at a Time” (Como estar bem: navegando nossa epidemia de autocuidado, uma cura duvidosa por vez, em tradução livre; a obra ainda não está disponível no Brasil), seria o resultado de uma purificação “de dentro para fora”.

É o que ocorre quando se segue rigorosamente uma rotina de cuidados com a pele, drenagens linfáticas e consumo regular de colágeno. Mas para brilhar de verdade é preciso mais: praticar meditação, cuidar da saúde mental, evitar alimentos ultraprocessados e dormir pelo menos oito horas por noite.

Esses são alguns dos padrões exigidos por uma cultura de bem-estar que passou a abarcar quase todos os aspectos da vida. Não se trata apenas de produtos aplicados no rosto ou de aulas de pilates frequentadas com afinco, mas também da alimentação (sempre com alimentos “integrais”), da aparência das fezes (que devem ser “firmes e bem formadas”) e até dos pensamentos (apenas os “intencionais” são aceitos).

Parece trabalhoso. Para manter as aparências, é necessário que esse trabalho pareça leve.

Ao longo de uma hora de conversa, Larocca, 49, contou que não segue todos os preceitos do estilo de vida que descreve.

Ela dorme o máximo que pode, faz exercícios regularmente e usa um anel da marca Oura. O dispositivo monitora dados corporais como temperatura e oxigenação sanguínea. Mas não segue nenhuma rotina de 12 passos. Tem consciência de que escovar a pele a seco pode ser bom para esfoliação, mas não promove, necessariamente, uma drenagem linfática.

Em alguns momentos, pratica o que chama de “bem-estar recreativo”: atividades que, embora saiba que não entregam o que prometem, proporcionam certo prazer. Com duas décadas de experiência na revista New York, onde atuou inclusive como diretora de moda, Larocca não ignora o apelo humano por práticas que prometem controle sobre corpo e vida, ainda que esse controle, no fundo, seja inatingível. Para ela, essa tensão pode ser o núcleo emocional da obsessão contemporânea com o bem-estar.

A seguir, trechos da conversa com a autora, realizada com um matcha latte e um chá-verde gelado. O conteúdo foi editado por clareza e concisão.

Ao começar a leitura, minha visão sobre o que é bem-estar era mais limitada. Seu livro amplia bastante esse conceito.

Bem-estar são aquelas aulas estranhas de ginástica. Mas também envolve comunidades negligenciadas discutindo como sua saúde não é levada a sério. É possível falar sobre como a indústria da beleza usa o discurso do bem-estar como uma espécie de libertação para parecer feminista. Nós podemos falar sobre terapias esquisitas e sobre como o termo bem-estar é socialmente aceito para encobrir distúrbios alimentares. Existem 90 milhões de formas de discutir o tema. No fim, tentei mostrar que o bem-estar é tudo isso, e que vivemos mergulhados nessa bagunça.

Hoje, parece difícil traçar limites claros para o que é ou não bem-estar. À s vezes, você percebe isso quando vai à uma clínica médica nova. Você entra e se pergunta: estou num spa? Academia? Hotel boutique? Consultório médico? Ou num filme da Kate Hudson?

Você começou o livro antes da pandemia. O que mudou com a Covid-19?

Ficou claro rapidamente quem estava ficando doente e quem estava morrendo. A ideia do livro partiu do ponto de vista de alguém que passou anos escrevendo sobre moda e estilo. O bem-estar virou algo vendido com as mesmas estratégias de marketing de bolsas, sapatos e batons. É muito perigoso viver numa sociedade que trata saúde como artigo de luxo.

Você também aponta contradições da cultura do bem-estar. Em certo trecho, fala sobre o “cigarro bem-intencionado”, uma indulgência.

É porque tudo isso vive dentro de contextos de privilégio. Há um termo: ‘narcisismo das pequenas diferenças’. Os fatores que realmente tornam alguém doente são muito maiores do que qualquer protocolo de bem-estar. São questões estruturais e socioeconômicas.

Outra camada interessante é o aspecto de gênero. O bem-estar como espaço de conexão entre mulheres, de compartilhar inseguranças e rituais.

Pode ser isso, sim. Ir à academia com amigas ou passar um dia no spa pode funcionar como ritual de união. Existem clubes sociais de bem-estar, como o Remedy Place. Também pode ser uma forma de entretenimento. A questão é entender o lugar disso tudo e quais são as expectativas. Importante dizer: não odeio o bem-estar. Eu participo de muita coisa. Mas o bem-estar está tão enraizado nas nossas vidas que não dá para ser a favor ou contra.

Gostei da ideia de “bem-estar recreativo”. É parecido com aquela sensação de saber que algo não vai funcionar, e fazer mesmo assim.

É uma distração. Faço bastante exercício, parte por diversão, parte por saúde. Já fui adepta da luz vermelha, bebia colágeno. Hoje, simplifiquei. Mas de vez em quando uma amiga me liga e diz: “O colostro bovino mudou minha vida! E eu penso: “Preciso de colostro bovino!”

Recentemente, entrei numa farmácia de luxo em Los Angeles, cheia de cosméticos sofisticados. Sabia que não precisava de nada, mas queria tudo. Uma vendedora elegante flutuava entre os corredores oferecendo ajuda.

Pode ser reconfortante. Pode fazer você se sentir cuidada. É uma sensação agradável.

Pensei como seria ter todos aqueles produtos em casa. Me sentiria como as mulheres sofisticadas daquele bairro. E voltamos à questão do luxo.

É a mesma lógica de: “Se eu comprar essa bolsa…”

Por que esse apelo é tão forte? Muitas vezes sabemos que esses produtos não cumprem o que prometem.

Mas seria ótimo se funcionassem, não? E, diante da ausência de informações confiáveis de especialistas, abre-se um enorme espaço. Queremos acreditar. Também há uma crise de confiança nos sistemas que deveriam nos informar e proteger. Isso ocorre tanto à esquerda quanto à direita. Vários produtos da Moon Juice e suplementos do Infowars compartilham ingredientes semelhantes. A mensagem é a mesma: “Prepare-se para o colapso do mundo! O bem-estar vai nos salvar dessas catástrofes!”

Saber que há tantos produtos ineficazes no mercado pode reforçar a esperança de que, entre milhares, talvez dois ou três realmente funcionem.

Com certeza. Penso: “Alguma hora um desses emails da Bobbi Brown vai trazer a dica certa.” E se eu não abrir justamente esse?

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