A China prometeu doar US$ 500 milhões à Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto Pequim está prestes a substituir os Estados Unidos como o principal doador estatal do grupo, expandindo a influência global da China após a retirada de Washington da cooperação internacional.
O vice-primeiro-ministro chinês Liu Guozhong disse à Assembleia Mundial da Saúde (AMS) que seu país está fazendo a contribuição para se opor ao “unilateralismo”, uma característica que Pequim frequentemente atribui a Washington à medida que as relações entre as duas potências se deterioram.
O presidente Donald Trump ordenou a retirada dos EUA da OMS em janeiro, o que deixaria Pequim como o principal doador e país membro mais poderoso.
“O mundo está agora enfrentando os impactos do unilateralismo e da política de poder, trazendo grandes desafios à segurança da saúde global”, disse Liu na terça-feira em Genebra. “A China acredita firmemente que apenas com solidariedade e assistência mútua podemos criar um mundo saudável juntos.”
A promessa da China de US$ 500 milhões, que Liu disse que seria dada nos próximos cinco anos, é um dos exemplos mais claros dos esforços de Pequim para preencher o vazio de liderança global deixado por Trump enquanto o presidente persegue sua política externa de “América Primeiro”.
“Os ataques e o desprezo da administração Trump pela governança internacional ofereceram novas oportunidades para a diplomacia chinesa”, afirma Zhao Minghao, professor de relações internacionais da Universidade Fudan em Xangai.
Na AMS na terça-feira, o Secretário de Saúde e Serviços Humanos Robert F. Kennedy Jr. chamou a organização de “moribunda” e “atolada em inchaço burocrático”.
Pequim, enquanto isso, tem trabalhado para se retratar como uma alternativa superior ao poder dos EUA —ou seja, como um líder global responsável e defensor da ordem internacional. Sob o líder chinês Xi Jinping, Pequim tem perseguido uma política externa mais agressiva em sua tentativa de substituir os EUA como a potência mundial preeminente —uma estratégia que requer mais amigos— e tem buscado reescrever as regras da ordem global a seu favor.
Mesmo antes da guinada isolacionista de Washington, a China vinha expandindo sua influência em organizações como as Nações Unidas. Dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a China é o principal contribuinte de forças de paz da ONU. Em uma visita à Europa na semana passada, o ministro da Defesa chinês, Dong Jun, disse que seu país contribuiria mais para operações de manutenção da paz.
O objetivo, dizem os analistas, é moldar as normas internacionais ao gosto de Pequim, bem como consolidar o papel da China nas cadeias de suprimentos globais.
Sob Trump, os EUA estão travando uma guerra comercial com a China e ameaçaram impor tarifas altíssimas tanto a rivais quanto a aliados.
Zhao afirma que espera que Pequim desempenhe um papel maior na cooperação internacional quando se trata de saúde pública, mas também de mudanças climáticas e transição para energia verde. A China produz mais de 60% dos carros elétricos do mundo e 80% das baterias que os alimentam.
Em contraste com Trump, que ordenou a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima, o histórico tratado internacional para reduzir as emissões de carbono, Pequim reafirmou seu compromisso com o acordo e intensificou os investimentos em infraestrutura de energia verde no Sudeste Asiático e outras regiões.
“A China está tentando ser mais ativa em áreas onde tem vantagens”, diz Zhao.
Pequim também tenta usar a ONU para reforçar suas reivindicações territoriais sobre Taiwan, que o Partido Comunista Chinês no poder diz que usará a força para assumir o controle se a democracia autônoma da ilha não vier voluntariamente. Por insistência de Pequim, Taiwan foi impedida de participar da AMS nos últimos nove anos.
“A região de Taiwan da China, a menos que receba aprovação do governo central, não tem base, razão ou direito de participar da AMS”, disse o Ministério das Relações Exteriores da China em um comunicado na segunda-feira, saudando a decisão de excluir Taiwan.
Especialistas dizem que Pequim aproveita seu papel em organizações internacionais para promover a ideia de que Taiwan não é um estado soberano.
“A China há muito tempo usa a diplomacia da saúde para interferir na participação e visibilidade internacional de Taiwan”, diz Chen Hsiu-hsi, professor de saúde pública da Universidade Nacional de Taiwan.
“[A China] construiu laços amistosos com vários países e avançou sua própria agenda por meio de organizações e eventos onde os EUA não estão envolvidos”, disse ele, o que torna mais difícil para Taiwan fazer lobby para participar.
A maior participação de Pequim no organismo mundial de saúde em comparação com a retirada de Washington também pode ajudar a isolá-la das críticas de longa data dos EUA sobre o tratamento da pandemia de coronavírus pela China, que foi detectada pela primeira vez em Wuhan.
“É surpreendente que um país como os EUA, que anunciou sua saída da OMS, ataque outro país que está expandindo seu investimento na organização”, disse um porta-voz da delegação chinesa em Genebra na terça-feira, segundo a agência oficial de notícias Xinhua.