Os baixos pagamentos a residentes do principal hospital pediátrico da Argentina colocaram mesmo apoiadores do governo de Javier Milei em rota de colisão com as medidas de austeridade tomadas pelo presidente desde que chegou à Casa Rosada, no fim de 2023.
Na noite da última segunda-feira (2), cerca de mil pessoas —incluindo médicos, apoiadores e famílias de pacientes— participaram de uma mobilização segurando velas em frente ao Obelisco, no centro de Buenos Aires, para exigir aumento salarial.
O protesto foi organizado após idas e vindas na negociação com o governo Milei. Apesar de o hospital, de administração federal, ter anunciado um aumento nos pagamentos, os residentes afirmam que não houve aumento real e estão em greve.
Os salários dos enfermeiros com dez anos de serviço não chegam a 900 mil pesos argentinos (cerca de R$ 4.300, na cotação oficial), enquanto o pessoal administrativo e os residentes médicos não chegam a receber 800 mil pesos (R$ 3.850). Segundo o governo, no acumulado desde janeiro, os salários tiveram aumentos de 6,8%. A inflação acumulada, no entanto, é de 11,6%.
Em entrevista a um canal favorável ao governo no YouTube, Javier Milei chegou a ironizar a situação dizendo que, para arrecadar recursos para o Hospital Garrahan, iria estrelar um espetáculo teatral no Muro de Berlim.
“Chama-se ‘Julgamento do Capitalismo’ e, basicamente, vou ser o advogado de defesa do capitalismo, vai haver um tribunal e um juiz”, disse Milei. “Sempre haverá minhas loiras voluptuosas, que vão me defender, que vão se vestir como estátuas da liberdade e tudo mais.”
Mesmo analistas políticos que costumam apoiar Milei saíram em defesa dos residentes, ressaltando que o hospital é referência no tratamento de crianças com câncer e que deveria haver um limite para o corte de gastos.
Nas redes sociais, aliados do governo diziam que o número de funcionários era maior do que o necessário e que os manifestantes estavam politizando a situação.
O governo acabou cedendo, após sofrer dias de desgaste na opinião pública, com residentes, funcionários de áreas administrativas do hospital e pais de crianças enfermas denunciando a situação em entrevistas aos meios de comunicação argentinos.
O Ministério da Saúde apresentou aos residentes uma proposta de aumento de 500 mil pesos (R$ 2.380). A oferta foi rejeitada em assembleia na tarde desta terça-feira (3), e um novo protesto foi marcado para quinta (5).
Os manifestantes afirmam que o valor oferecido não representa uma remuneração justa pelo trabalho que realizam e ressaltam que é necessário um aumento real nos salários. Afirmam, ainda, que a maioria dos residentes enfrenta dificuldades financeiras.
No ato, outro residente lembrou que muitos colegas vêm de outras cidades do país para estudar em Buenos Aires e não conseguem pagar o aluguel.
O protesto também reuniu pais de crianças que passaram por tratamentos na instituição, que discursaram em apoio aos residentes. Eles disseram que a qualidade da saúde das crianças depende de um bom salário para os profissionais.
O Hospital Garrahan presta atendimento progressivo a pacientes pediátricos de diferentes regiões da Argentina e também de outros países da América do Sul. Com cerca de 4.000 profissionais, atende 660 mil crianças anualmente.
A ideia de construir um hospital especializado e complexo foi encarnada por um grupo de pediatras do Hospital Infantil Ricardo Gutiérrez, em 1969. Em maio de 1975 iniciou-se a construção do edifício, localizado no bairro de Parque Patricios (na zona sul), e em 1987 ele foi oficialmente inaugurado.