Página Inicial Saúde Ações de redução de danos têm baixo financiamento público – 07/05/2025 – Equilíbrio e Saúde

Ações de redução de danos têm baixo financiamento público – 07/05/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Em São Paulo, pessoas que usam drogas para aumentar o prazer na hora do sexo são orientadas sobre prática seguras por meio de um robô. No Recife (PE), mulheres usuárias de drogas e que moram nas ruas contam com espaço exclusivo de escuta e de acesso a serviços públicos. No Rio de Janeiro, um projeto é referência nacional sobre drogas e saúde mental em território de favela.

Elogiados na conferência internacional que aconteceu em Bogotá (Colômbia), projetos de redução de danos brasileiros enfrentam dificuldade de financiamento público. No evento, o governo federal foi criticado por financiar comunidades terapêuticas (CTs), em detrimento de iniciativas apoiadas por evidências científicas. Nesta quarta (7), comemora-se o Dia Internacional da Redução de Danos.

Entidades privadas voltadas para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas, as CTs não fazem parte nem do SUS (Sistema Único de Saúde), nem do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Baseiam-se na abstinência e na laborterapia (trabalho geralmente não remunerado) como método de cura e têm como um dos pilares de tratamento práticas religiosas em vez de terapias psicológicas.

Para o médico epidemiologista Fabio Mesquita, pioneiro no trabalho com pacientes infectados pelo vírus HIV em Santos (litoral de SP) e que esteve durante 12 anos na OMS (Organização Mundial da Saúde), é uma grande frustração observar o financiamento público às comunidades terapêuticas a despeito da falta de evidência dos tratamentos propostos.

“A gente esperava uma mudança no governo Lula, mas não aconteceu. Ao mesmo tempo, a gente vê muitas ONG espalhadas pelo país fazendo bons trabalhos em redução de danos e sem financiamento público”, diz ele, que foi um dos fundadores da Harm Reduction International, entidade organizadora do evento em Bogotá.

Em 2024, o governo federal previu em orçamento o valor de R$ 56 milhões somente em emendas parlamentares para ações nas CTs, conforme revelou a Folha. Para este ano, porém, houve uma redução. Dados do Plano Plurianual (PPA 2024-2027) mostram que o orçamento caiu de R$ 223,2 milhões em 2024 para R$ 177,7 milhões em 2025, um corte de cerca de R$ 45,5 milhões.

De acordo com Ana Paula Guljor, coordenadora de um programa de política de drogas, direitos humanos e saúde mental da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Brasil, ainda é um desafio a formulação de políticas públicas que coloquem a redução de danos no centro dos cuidados. “O desinvestimento [em redução de danos] é fruto de um posicionamento ideológico, político.”

Ela afirma que as experiências e evidências de diversos países mostram que políticas de redução de danos são efetivas. “Esse lugar da internação, de varrer para debaixo do tapete o desviante, é um discurso ainda muito presente na nossa sociedade, que tem essa ideia da internação como única solução”, diz ela, que também preside a Associação Brasileira de Saúde Mental.

Segundo Priscila Gadelha, diretora de comunicação da Escola Livre de Redução de Danos, do Recife, a falta de financiamento público faz com que as ações de redução de danos permaneçam pontuais em alguns territórios e dependentes de recursos internacionais.

“Mas a principal dificuldade é enfrentar a violência causada por esse estigma sobre as pessoas que usam drogas e sobre quem faz redução de danos. Tentam colocar a gente sempre num lugar de apologia ao uso de drogas, quando o que fazemos é promover educação, saúde, garantia de direitos e de cidadania.”



A principal dificuldade é enfrentar a violência causada por esse estigma sobre as pessoas que usam drogas e sobre quem faz redução de danos. Tentam colocar a gente sempre num lugar de apologia ao uso de drogas, quando o que fazemos é promover educação, saúde, garantia de direitos e de cidadania

Na escola de redução de danos, mulheres cisgêneros, transgêneros e travestis, com seus filhos, contam com atendimentos exclusivos em local onde podem tomar banho, descansar, lavar roupas, participar de oficinas e serem encaminhadas a serviços de saúde, caso necessitem. Em pesquisa feita pela organização, 73,5% são cisgêneros, 80%, negras, 63% têm um ou mais filhos e 67% dormem nas ruas. Em relação a cuidados básicos, 9,3% não conseguem tomar banho todos os dias.

“A gente vê mulheres que antes não acessavam nenhum serviço público, por não se reconhecerem mais enquanto agentes de direito e de cidadania, que voltaram a se reconhecer a partir de uma lógica de acolhimento, de entender quais são suas fragilidades e necessidades, e que mudaram de vida”, diz.

Outra iniciativa brasileira elogiada na conferência é o Superbot, um robô desenvolvido pelo Instituto Multiverso e que oferece orientação sobre saúde mental e sexual e redução de danos no contexto do chemsex, ou sexo aditivado, como é mais conhecido pelos praticantes, que envolvem drogas para ampliam o prazer sexual.

“Não adianta a gente demonizar, proibir, falar que não é para fazer. A gente sabe que as pessoas fazem. É um fato. Nosso papel não é moralista, é orientar para que possam realizar essas práticas de forma mais segura.”

No projeto, chamado Colocação da Periferia ao Centro (colocação é o termo usado quando a pessoa está sob efeito de drogas), voluntários vão até as festas, entregam preservativos e testes rápidos, por exemplo, e apresentam o robô, que pode ser acessado por meio de QR Code.

“Se o robô detecta [por meio das perguntas] pessoas que estão num estado mais depressivo ou em situação de abuso de substância, automaticamente direciona essa pessoa a um profissional. Então, um psicólogo, um psicanalista, um psicoterapeuta assume para fazer o atendimento individual.”

Inaugurado em 2018, o Espaço Normal, da Redes da Maré, no Rio de Janeiro, é considerado referência sobre drogas e saúde mental em um território de favela e fruto de três anos de pesquisa em locais de uso de crack, álcool e outras drogas.

Segundo Vanda Canuto, coordenadora do espaço, no local os usuários podem descansar, fazer a higiene pessoal, assistir a TV e trocar ideias entre eles eles e com os profissionais presentes. Também são oferecidas oficinas, atendimento sócio jurídico, encaminhamento a serviços de saúde, entre outros.

Ela afirma que as atividades trabalham diretamente a vinculação do sujeito, deixando o usuário livre para conhecer os malefícios que as drogas podem produzir em suas vidas.

Uma das respostas do governo federal em relação aos cuidados com usuários de drogas, apresentada na conferência de redução de danos, é uma rede chamada CAIS (Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social), desenvolvida pelo Ministério da Justiça, e que fará uma articulação entre as políticas públicas já existentes voltadas a usuários de drogas.

“O serviço vai atender pessoas que têm demandas relacionadas ao uso de drogas e garantir que elas consigam ter acesso à saúde, à assistência social, à Justiça, com o intuito de diminuir as vulnerabilidades das pessoas mais afetadas pela política de drogas”, afirmou Maria Angélica Comis, consultora da

Secretaria Nacional de Política de Drogas e Ativos e que falou sobre o projeto em Bogotá.

Uma das alternativas em estudo é também encaminhar para essa rede pessoas flagradas com até 40 gramas de maconha droga ou seis plantas fêmeas. Em junho de 2024, o STF (Supremo Tribunal Federal) descriminalizou o porte dessa quantidade de droga.

A repórter viajou a Bogotá a convite da Harm Reduction Internacional

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