Quando descobri o amor, ou supus o que fosse o amor, minha vida mudou. Eu olhava os meninos na escola e ficava sonhando uma vida ao lado do eleito. Minha irmã não tinha paciência para essas paixões platônicas, mas eu não estava nem aí. Inventava jogos de cartas para procurar algum sinal de que ele gostava de mim. Ou então ficava torcendo a tampinha da lata do refrigerante só para ver se quebrava justo na letra do nome dele. Pensava no nosso casamento, no meu vestido de noiva e mergulhava naquela fantasia.
Com o passar dos anos, fui ficando um pouco menos sonhadora, mas seguia assistindo a filmes românticos e suspirando, vendo novela e torcendo para algum desfecho feliz… Enfim, sempre levei muito a sério o tal do amor.
Só que o amor não tem controle, pelo menos para mim. Se na infância e adolescência eu inventava romances, um pouco mais velha comecei a me relacionar de verdade, o que significou levar foras, chorar horrores e quase entrar em um estado doentio de paixão e seu inevitável (para mim) fim.
Sim, essa sou eu. Justamente por esse descontrole, fez todo sentido a sugestão que recebi do AA: no primeiro ano de sobriedade, não se envolva emocionalmente. Porque frustração, euforia, brigas, desentendimentos, tudo nos torna vulneráveis e é difícil evitar o primeiro gole. (De novo vou falar da Heleninha Roitman, da novela: a última recaída dela foi justamente por causa de uma questão amorosa.)
Para mim, essa sugestão de não me envolver não foi difícil de levar a cabo, mesmo porque demorei um bom tempo para voltar a combinar as meias, pentear o cabelo, me cuidar em geral. Além do mais, quando decidi ficar sóbria, o medo de uma recaída era tão grande que eu evitava qualquer gatilho que fizesse meu coração disparar. Eu não daria conta.
Depois que comecei a frequentar o AA, passei muito tempo morando na minha casa, sozinha, mas com a supervisão da minha irmã, que todo dia ia lá, para verificar se eu não escondia nenhuma bebida. Ao contrário da Heleninha, que se sente à vontade para ocultar suas garrafas.
Na cena da tal recaída, ela fala algumas vezes, olhando para a bebida: “Eu vou vencer, eu vou vencer”. Acontece que nenhum alcoólatra vulnerável pode com o álcool. Ele é o todo-poderoso e vai fazer você beber até acabar o estoque. Ele vence. Sempre.
Outro dia recebi um email de um leitor, o João, me perguntando qual foi meu segredo para ficar limpa. Li e reli aquela mensagem, desejando ter uma bula para oferecer a ele, mas não existe bula nenhuma. A estratégia é estar sempre com alguém que saiba do seu problema, pois isso inibe qualquer tentação. Além disso, não desistir jamais. João, caia mil vezes, mas continue acreditando que um dia você vai parar e não vai ter a mínima saudade da sua vida anterior.
Apenas siga em frente.
Eu não consigo mais me envolver para valer com alguém. Não tenho vontade, não gosto de sair de casa e sobretudo não quero mais viver numa montanha-russa. Agradeço todos os dias por continuar firme na minha vida simples, sem grandes emoções. O contrário é inviável. Pelo menos por enquanto.
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