Ele era quiroprata por formação, mas em uma região remota do oeste do Texas, nos Estados Unidos, com atendimento médico limitado, Kiley Timmons havia se tornado o primeiro recurso para qualquer problema de saúde. Por mais de uma década, Kiley, 48, atendia 20 pacientes por dia em sua pequena clínica localizada entre uma igreja e um posto de gasolina em Brownfield, cidade com população de 8.500 habitantes. Ele tratava o que podia, encaminhava outros para médicos e orava pelo restante.
Foi apenas no início desta primavera que ele começou a notar algo desconhecido chegando à sua porta: dores que persistiam, febres que não baixavam, manchas descoloridas na pele que não faziam sentido. No início, ele culpou uma temporada ruim de gripe, mas os sintomas permaneceram e depois se multiplicaram. No final de março, um terço de seus pacientes estava relatando sobre parentes que não conseguiam respirar. E então Kiley também começou a tossir.
Sua esposa, Carrollyn, havia testado positivo para Covid recentemente, mas seus sintomas diminuíram enquanto os de Kiley se intensificavam. Ele foi a um médico no início de abril para um exame viral, mas todos os resultados deram negativo. O médico decidiu testar para a remota possibilidade de sarampo, já que havia um grande surto se espalhando por uma comunidade Menonita a 65 quilômetros de distância, mas Kiley era vacinado.
“Sinto que estou morrendo”, Kiley enviou mensagem a um amigo. Ele não conseguia reter comida ou água. Já havia perdido 4,5 quilos. Seu peito ficou dormente e seus braços começaram a formigar. Seu oxigênio estava caindo perigosamente quando finalmente recebeu os resultados.
“Positivo para sarampo”, escreveu para sua irmã em meados de abril. “Simplesmente miserável. Não consigo acreditar nisso.”
Vinte e cinco anos após o sarampo ter sido oficialmente declarado eliminado dos Estados Unidos, esta primavera marcou um período angustiante de redescoberta. Um grupo de casos que começou em uma igreja Menonita, no oeste do Texas, se expandiu para um dos maiores surtos em uma geração, espalhando-se por comunidades com taxas de vacinação em declínio, enquanto três pessoas morreram e dezenas foram hospitalizadas, do México até Dakota do Norte. Autoridades de saúde pública rastrearam cerca de 1.200 casos confirmados e inúmeras exposições em mais de 30 estados.
Mas o que assustou Kiley mais do que a potencial disseminação foi a gravidade da doença: cerca de 1 em cada 5 pessoas não vacinadas com sarampo será hospitalizada, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Até 1 em cada 20 crianças contrai uma infecção secundária de pneumonia. Mais de 1 em 1.000 morre. O sarampo para de se espalhar quando 95% de uma comunidade está imune, mas as taxas nacionais de vacinação para crianças caíram para menos de 92%. Em partes do oeste do Texas, elas caíram abaixo de 80%.
A clínica de Kiley atendia em parte pacientes que eram céticos em relação aos cuidados de saúde convencionais dos EUA e queriam experimentar tratamentos alternativos. “O médico do futuro não dará remédio”, dizia uma placa que ele pendurou em seu consultório.
“Sinto como se tivessem mentido para mim”, Kiley disse à sua esposa enquanto sua febre subia para 40 graus. Ele tentou controlar seus sintomas em casa com óleo de fígado de bacalhau e vitamina D, suplementos endossados por Robert F. Kennedy Jr., o secretário de saúde dos EUA. Ele se isolou na sala de estar para evitar infectar seus quatro filhos.
Numa manhã, cerca de uma semana após o início de sua doença, Carrollyn entrou na sala e viu Kiley deitado no sofá. Sua cabeça estava quase roxa. Uma erupção cutânea se espalhava pelo peito, e sua boca estava pontilhada com dezenas de feridas brancas. Ela testou seu nível de oxigênio. Marcava 85% —baixo o suficiente para colocar em risco seus órgãos vitais. Ela o levou para a emergência, onde ele foi colocado em quarentena e recebeu oxigênio, tratamentos respiratórios e raios-X para monitorar suas cólicas estomacais.
Ele permaneceu em isolamento pelas próximas 40 horas, doente demais para descansar e exausto demais para falar, até que se virou e viu uma nova mensagem em seu telefone, de Carrollyn.
“Atualização sobre as crianças”, ela disse na segunda semana de abril. “Três delas estão com febre.”
Por mais de uma década, Kiley e Carrollyn haviam debatido se deveriam vacinar seus filhos. Todas as vezes, decidiram contra.
A vacina era considerada segura e 97% eficaz pela FDA (Food and Drug Administration, agência do governo dos EUA equivalente à Anvisa). Por gerações, todos os funcionários de saúde americanos credíveis haviam recomendado a vacina tríplice viral, para prevenir sarampo, caxumba e rubéola, como uma obrigação básica para a sociedade. Quase todos os pais no Texas haviam consentido com as duas doses recomendadas para seus filhos, eliminando efetivamente a transmissão do sarampo nos Estados Unidos.
Mas esse sucesso também significava que a doença havia se tornado gradualmente uma abstração, uma ameaça distante. Apenas três americanos haviam morrido de sarampo desde 2000, e Kennedy ascendeu à proeminência política como um cético de vacinas. Ele testemunhou no Congresso sobre o risco de raras lesões causadas por vacinas e posteriormente demitiu todos os 17 especialistas de um painel consultivo de vacinas.
Nos últimos anos, até 15% das famílias nos distritos escolares do oeste do Texas haviam solicitado “isenções por motivos de consciência” da vacina. O que Carrollyn temia mais do que o sarampo era a remota possibilidade de que seus filhos pudessem experimentar uma reação adversa às vacinas. Dois de seus irmãos mais novos haviam sido vacinados e depois sofreram de febres altas que levaram a convulsões febris —convulsões assustadoras que duraram vários minutos, mas não causaram danos permanentes.
“Meus filhos não verão essa doença em suas vidas”, ela sempre concluía. “A vacina provavelmente seria boa, mas por que correr um risco desnecessário?”
Ela trabalhou para proteger as crianças de outras maneiras quando ouviu pela primeira vez sobre o grupo de casos no condado vizinho de Gaines. Carrollyn parou de levar as crianças ao supermercado e estocou suplementos imunológicos. Ela e Kiley conversaram novamente sobre a possibilidade de vacinar —e chegaram à mesma decisão. As crianças eram jovens, saudáveis, fortes. Talvez elas ainda não pegassem a doença.
Arden, de 9 anos, foi a primeira a ter febre alta, que continuou por 13 dias. Então Garner, 12, começou a vomitar. Na época em que Kiley recebeu alta do hospital, seus gêmeos de 14 anos, Hudson e Tucker, também estavam piorando.
Os níveis de oxigênio de Hudson começaram a cair no fim de semana de Páscoa. Carrollyn ligou para o 911 (número de emergência nos EUA). Alguns minutos depois, ela estava com Hudson na parte de trás de uma ambulância a caminho de Lubbock, a 45 minutos de distância.
Todas as quatro crianças acabaram sendo internadas no hospital e depois colocadas em quarentena.
Foram necessários três dias antes que todas estivessem estáveis o suficiente para voltar para casa, e mesmo assim, sua recuperação não estava completa. Kiley continuou a sofrer com queda temporária de cabelo, névoa cerebral e déficits de memória de curto prazo.
As crianças tinham dores de cabeça em cluster (condição neurológica caracterizada por ataques de dor intensa e unilateral, geralmente em torno do olho e têmpora). E então veio uma nova onda de sintomas: feridas nos olhos, dores musculares e resfriados que pareciam ser uma nova rodada de vírus. Kiley pesquisou online e leu que o sarampo pode causar uma condição chamada “amnésia imunológica”, deixando o corpo vulnerável a todos os tipos de outras infecções por meses ou até anos.
Ben Edwards nunca havia visto um caso de sarampo até o início deste ano, mas havia ajudado a vacinar centenas de crianças contra o vírus como médico no condado rural de Garza, Texas.
Mas em 2011, Edwards experimentou o que ele chamou de “encontro divino” e começou a questionar os princípios fundamentais da medicina americana. Ele passou a acreditar que seus pacientes não estavam sofrendo de doenças, mas sim experimentando sintomas de dietas ruins e deterioração social, e que o corpo humano quase sempre era capaz de se curar com hidratação, movimento, alimentos nutritivos e paz espiritual. Ele se mudou para Lubbock e iniciou sua própria prática, Veritas Medical, nomeada com a palavra latina para verdade. Ele começou a vender suplementos e iniciou um podcast semanal, “You’re the Cure” (Você é a Cura, em português), no qual frequentemente recebia convidados que questionavam a segurança das vacinas.
Sua nova prática encheu-se de centenas de pacientes que compartilhavam sua desilusão com a medicina convencional, incluindo algumas dezenas de menonitas que viviam a uma hora de Lubbock. Uma delas, Tina Siemens, ligou para Edwards no início de março e perguntou se ele poderia comparecer ao velório de uma criança que acabara de morrer de complicações do sarampo —a primeira morte americana pela doença em mais de uma década.
Edwards carregou sua caminhonete com suplementos e dirigiu até uma pequena igreja nos arredores de Seminole, Texas. Uma menina de 6 anos com tranças estava deitada em um caixão. Seus quatro irmãos pequenos estavam sentados por perto, corados com febres, erupções cutâneas e tosses.
Seus pais estavam com medo de levá-los ao hospital, onde sua filha havia morrido alguns dias antes na unidade de terapia intensiva. Não há tratamento antiviral ou cura para o sarampo, então Edwards ofereceu às crianças cuidados de suporte na forma de hidratação, suplementos imunológicos e óleo de fígado de bacalhau rico em vitamina A, que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda em alguns casos.
Edwards sentou-se com a família e observou enquanto mais menonitas passavam pelo velório, incluindo muitas crianças não vacinadas com erupções cutâneas e febres altas.
Nas semanas seguintes, Edwards fez visitas domiciliares e cuidou de até 300 pessoas com sarampo, continuando a ver pacientes mesmo quando ele próprio sofreu uma infecção leve e desenvolveu uma erupção cutânea.
Durante todo esse tempo, Edwards continuou a lançar seu podcast semanal, recebendo uma rotação de autores, médicos e ativistas que minimizavam o perigo do sarampo e falavam, em vez disso, sobre os benefícios de não ser vacinado e os riscos de raras lesões causadas por vacinas.
“O corpo é projetado para matar o sarampo”, disse Edwards enquanto a doença se espalhava para o Novo México e Oklahoma.
“Eu encorajaria você a buscar uma autoridade superior, uma autoridade espiritual, e deixar a paz guiá-lo”, disse ele enquanto a doença se estendia para Kansas e Nebraska.
“Não tenha medo de nada”, disse ele quando o número total de casos relatados de sarampo ultrapassou mil, quase todos entre pessoas não vacinadas, enquanto o vírus continuava a se espalhar no Colorado, Pensilvânia e finalmente nos cantos remotos de Dakota do Norte, chegando ao estado pela primeira vez em 14 anos.
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.