A goiana Sarah Borges, 22, acaba de se formar em psicologia na universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Junto com o diploma, veio o prêmio Sophia Freund, concedido anualmente aos alunos com a maior média geral de notas de todos os cursos da graduação. Além de uma bolsa para um doutorado em Cambridge, na Inglaterra.
A estudante trocou o curso de medicina na USP (Universidade de São Paulo) por uma bolsa completa nos EUA, onde começou a desenvolver uma carreira acadêmica com foco em estudos de saúde mental.
À Folha, Sarah diz querer colocar o Brasil e os países em desenvolvimento no mapa internacional da pesquisa em saúde mental, já que notou uma ausência ao se debruçar sobre os mais diferentes estudos na área. Ela diz ainda que se compromete a estudar como melhorar este problema de saúde pública e a causar impacto social verdadeiro na população.
Sarah cresceu em Goiânia, em uma família de classe média, e estudou em colégios particulares com bolsas parciais, assim como sua irmã gêmea, Sophia. Ela conta que sempre gostou de estudar e teve notas excelentes ao longo da vida escolar. “No ensino fundamental, cheguei a dar tutorias informais para colegas. Meu presente de aniversário favorito foi o que a minha tia me deu, que era um quadro para escrever. Eu e minha irmã fingíamos ser professoras”, diz.
A escolha por medicina veio no último da escola, pensando no estudo da neurociência, e a decisão por aplicar para estudar fora do país veio pela vontade de fazer pesquisa e de ter uma grade curricular variada. Ela contou com a ajuda do programa de mentorias de uma rede de estudantes brasileiros no exterior, o BRASA.
Com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), foi aprovada em quinto lugar no curso de medicina na USP. Alguns meses depois, saiu o resultado da aprovação em Harvard com bolsa 100%. Mais tarde, Sarah ainda conseguiu acumular mais uma bolsa acadêmica, da rede de líderes da Fundação Estudar, organização sem fins lucrativos fundada por empresários brasileiros.
Ela conta que, ao longo da graduação, se aproximou mais dos estudos de psicologia e da parte social: “Participei de vários projetos de pesquisa, sempre relacionando fatores macroestruturais a fatores psicológicos, como estudos sobre mudança climática, polarização política, desigualdade de gênero e performance acadêmica.”
Contudo, foi pela parte de saúde mental que realmente se interessou e direcionou seu trabalho final de graduação. “Percebi que doenças mentais não são somente doenças médicas, mas algo que perpassa todos os aspectos da vida de uma pessoa. São muito relacionadas à estrutura familiar, a traumas, a contexto socioeconômico. A partir do meu terceiro ano, eu passei a dedicar todas as minhas pesquisas a esse tema”.
Percebi que doenças mentais não são somente doenças médicas, mas algo que perpassa todos os aspectos da vida de uma pessoa. São muito relacionadas à estrutura familiar, a traumas, a contexto socioeconômico. A partir do meu terceiro ano, eu passei a dedicar todas as minhas pesquisas a esse tema
Sarah disse que passou a observar que a maioria das pesquisas estudadas nas aulas era feita nos Estados Unidos e na Europa, e não em países como o Brasil: “A gente está falando da mente humana, mas só uma pequena parte da população é retratada nos estudos de saúde mental mundialmente.”
Por isso, sua tese foi voltada a estudar como o estigma negativo afeta o acesso de jovens brasileiros a serviços de saúde mental. Ela usou uma base de dados feita em parceria entre a USP e as federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Recebi muito apoio dos professores de Harvard. Eles deram muito valor em trazer esses dados e em estabelecer conexões sólidas com esses professores brasileiros. Sinto muito orgulho mesmo de falar que eles reconhecem que é uma base de dados riquíssima, que você quase não encontra em nenhum país do mundo, mesmo nos Estados Unidos”, diz Sarah.
Durante três anos, ela integrou a Associação para o Cultivo da Democracia Inter-Americana (HACIA Democracy), organização que promove simulações diplomáticas com jovens latino-americanos. No último ano, foi vice-presidente da Brazil Conference, organizada por estudantes de Harvard e do MIT (Massachusetts Institute of Technology), liderando o Programa de Pesquisadores, que leva cientistas brasileiros de destaque para apresentarem seus trabalhos nos Estados Unidos.
A estudante diz que não é um prodígio, nem nasceu pronta para liderar projetos ou pesquisas acadêmicas. O envolvimento com iniciativas sociais, muito comum entre estudantes aprovados em universidades nos EUA, ocorreu naturalmente, por meio da internet, até que se tornou um hábito.
“Foi no final do ensino médio que passei a me interessar mais por esses projetos sociais. Fiz várias olimpíadas científicas, mas também comecei a me envolver com iniciativas virtuais. Eu colaborava com jovens de outras partes do país e até de outros países. E aí, o que de início parecia não muito natural, como tomar à frente em projetos de liderança, acabou virando costume”, diz.
Ela também faz questão de dizer que, junto aos estudos acadêmicos, o lazer e as amizades foram muito importantes para sua formação: “Comecei a fazer trilha, subi a montanha mais alta do Nordeste dos Estados Unidos, a Mount Washington. Jogo vôlei e promovi alguns encontros de brasileiros para jogar. Também vivia rodeada de amigos de todo o mundo.”
Sarah foi reconhecida com diversos outros prêmios, como o Detur Book Prize e o NEPA Honorary Undergraduate Scholar, e foi eleita para a Phi Beta Kappa, a sociedade de honra acadêmica mais antiga dos Estados Unidos, que reconhece cerca de 10% dos estudantes por excelência intelectual e amplitude de saberes.
Pouco antes de se formar, assistiu aos cortes de orçamento para pesquisa e as ameaças a estudantes internacionais por parte do governo Donald Trump, o que ela lamenta: “Harvard é o que é por conta da pesquisa de alto nível, que atrai pessoas de excelência de todas as partes do mundo. São as duas grandes forças da universidade que estão sendo ameaçadas. Espero que tudo se resolva logo”.
Sophia Borges, sua irmã gêmea, também aprovada em medicina na USP, continua na Harvard fazendo um doutorado sanduíche na escola de saúde pública. Ela possui uma vakinha online com a qual consegue ajuda para arcar com os custos.
Enquanto isso, Sarah iniciará neste ano seu doutorado em psiquiatria na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ela foi aprovada na bolsa Gates Cambridge Scholarship, da Fundação Bill e Melinda Gates. Ela diz que pretende continuar investigando melhores formas de entender, prevenir e tratar problemas de saúde mental no Brasil e no mundo.