Casamentos a distância não são exatamente uma novidade. Há reis e rainhas que foram prometidos em casamento a uma pessoa que só viriam a conhecer na cerimônia. Soldados enviados à guerra passavam anos longe de suas famílias, assim como imigrantes que viajam em busca de melhores condições de vida.
Hoje, com a internet, é possível conhecer e se apaixonar por pessoas que moram do outro lado do planeta. Existem também pessoas que se inscrevem em mestrados profissionais em outra cidade ou país, ou que são transferidas de emprego, enquanto os cônjuges permanecem trabalhando ou estudando na cidade de origem.
É claro que, com a tecnologia e a globalização, tudo fica mais fácil, e o parceiro pode estar a uma ligação ou a um voo de distância, sem ter que esperar dias ou meses por uma carta borrada e perfumada no correio, como corria há algumas décadas. Esse é o caso de Caio Guimarães e Silvana Schaarschmidt, ambos de 52 anos, que se conheceram já a distância.
Os dois, divorciados e com filhos dos primeiros casamentos, mantiveram o namoro remoto por dois anos antes de se casarem, em 2015.
Silvana, que é servidora pública, pediu transferência para conseguir morar com o marido, que é engenheiro civil. Ela se mudou com dois de seus três filhos. Mas, depois de dois anos e meio, a não adaptação das crianças e uma insegurança no trabalho a fizeram reconsiderar a decisão.
“Foi uma iniciativa minha [voltar a morar separado]. Eu tive que ter essa conversa e falei para o Caio. Foi bem duro, foi dolorido, foi difícil”, conta Silvana.
Apesar de saber que a decisão era racional, diz Caio, no momento o irracional se sobressaiu e ele se sentiu desapontado. Ele relata que aprendeu a lidar com a frustração, já que o divórcio nunca foi uma alternativa. “É um nível diferente de maturidade, de relacionamento, de saber o que você está disposto a abrir mão.”
Desde então, o casal vive o que chamam de “casamento de ponte aérea”. Ela trabalhando e vivendo em Florianópolis e ele, trabalhando e vivendo em São Paulo. Eles se visitam sempre que podem, se planejam com antecedência e, às vezes, fazem até surpresas um para o outro.
Marta Carmo, psicóloga e mestre em psicologia do desenvolvimento com ênfase em casal e família, diz que a distância pode favorecer a conexão ao passo que fortalece a autonomia de cada um.
“Tudo vai depender de como é que as pessoas lidam com o amadurecimento do casal, porque quanto mais a pessoa tiver uma autonomia, mais ela consegue se conectar. Quanto mais individualidade eu tenho, mais pertencimento eu consigo ter”, afirma.
Nesse sentido, Silvana e Caio dizem que a comunicação é a peça chave do casamento, com ligações e conversas por mensagens durante o dia. “A gente fala sobre tudo, a impressão que eu tenho é que a gente está junto o tempo todo”, diz Caio.
“Tudo tem um lado bom e ruim. É claro que, por vezes, na minha rotina da semana, fico com dó de umas coisas bem ordinárias mesmo da vida de não estar com o meu parceiro”, fala Silvana.
Antonio Carlos Amador Pereira, psicólogo e psicoterapeuta com ênfase no comportamento e desenvolvimento humano, explica que a decisão é algo que tem que fazer sentido para o casal, como um recurso para superar algum obstáculo na relação.
“As pessoas têm que considerar os ônus e os bônus, para aí tomar uma decisão”, afirma. “Não é algo que pode ser feito só por modismo ou comodismo.” Até porque todo relacionamento enfrenta desafios e não existem ilusões de contos de fadas, observa.
Para o psicólogo, outro ponto fundamental é a frequência da comunicação, que deve ser constante, sensível e tolerante. Ele aponta que é importante que ambos os lados saibam ouvir e fazer concessões, quando necessário.
Carmo diz que é importante que ambas as partes do relacionamento devem ser desenvolvimentalmente saudáveis para que a relação a distância dê certo. “Se eu dou conta de mim, se ele for, eu vou ficar inteira. E se ele voltar, eu vou estar inteira”, afirma. “Casais simbióticos não conseguem suportar a distância.”
Pelo lado positivo, a distância fez com que ambos valorizassem todo o tempo que têm juntos. “A gente tem um cuidado maior, porque cada minuto conta e a gente procura não negligenciar”, diz Silvana. Caio concorda: “Estando a distância, a gente aproveita mais o tempo e tende a dar menos valor a coisas que não são importantes.”
Para a psicóloga, as pessoas que vivem distantes sabem aproveitar o momento, e também porque o momento é extraordinário. “O cotidiano às vezes é perverso, é muito pautado no ordinário. Então, é necessário o extraordinário para as pessoas que vivem na presença do outro.”
Silvana e Caio incluem um ao outro em sua rotina, mesmo separados fisicamente. Não apenas com as ligações e mensagens, mas viajando para encontro com amigos, datas comemorativas, e até em relação ao lar. Eles concordam que ambas as casa, tanto em Santa Catarina quanto em São Paulo, são dos dois.
Carmo afirma que a inclusão é um sentimento importante para a construção de um relacionamento. “À medida que a pessoa é incluída, ela vai sentindo confiança.”
Quanto à preferência, os dois dizem que é claro que gostariam de viver juntos, e acreditam que isso vá acontecer no futuro. “Não é o modelo que a gente desenhou nem que a gente gostaria. Mas acho que a gente fez funcionar”, afirma Caio.