O conceito de biomimetismo incentiva pesquisadores a observar com atenção certos achados da natureza para inspirar inovações. O velcro é um caso conhecido, sugerido como foi por pelos nas patas de lagartixas que caminham de ponta-cabeça no teto. Há mais originalidades a considerar, porém, como obras de arte.
Foi por acaso —ou destino, diriam outros— que tomei conhecimento de uma nanoestrutura imitada, veja só, de uma impactante instalação artística no Inhotim. Para quem não conhece esse incrível misto de museu de arte contemporânea com jardim botânico em Minas Gerais, fica a dica.
É um milagre. Tão improvável quanto um disco voador repleto de maravilhas baixar em Brumadinho, o Inhotim pousou lá. Quanto mais tempo a pessoa demorar a visitá-lo, menos tempo terá para voltar a contemplar a série de pavilhões e peças ao ar livre (retornei pela quarta vez para conhecer o espaço de Claudia Andujar).
No alto de um morro se encontra a tal obra impactante. Este adjetivo nada tem de aleatório. O trabalho de Chris Burden (1946-2015) se chama “Beam Drop” (queda de vigas). Em 2008 ele orientou a soltura de 71 vigas de aço sobre uma piscina de cimento recém-misturado, de uma altura de 45 m, com auxílio de um guindaste.
Há algo de grandioso naquele arranjo só em aparência caótico de objetos pesadíssimos imobilizados em plena queda. Orientações diversas, na maioria quase verticais, fazem pensar em quanto pode haver de casualidade na ordem que se oferece na realidade, ou que insistimos em nela buscar.
Essa desordem semi-vertical inspirou cientistas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O experimento com o material Beam Drop Inhotim Surface (BDIS) foi conduzido por Anderson Gomes Vieira, tendo como coautores Petrus D’Amorim e Antônio Carlos Pavão.
Em poucas palavras, eles depositaram nanobastões de óxido de ferro, “vigas” com milionésimos de milímetro, sobre uma superfície de resina. Manipulando o campo magnético, obtiveram orientações variadas, mas quase verticais, comparáveis à Beam Drop de Burden (que não se perca pelo sobrenome, “fardo” em inglês).
Há expectativa de que a superfície nanoestruturada exiba propriedades antivirais. Os diferentes ângulos com que os bastões se erguem do material aumentariam a probabilidade de que penetrem a capa de proteína (envelope viral) das partículas patogênicas, inativando-as e esterilizando o revestimento.
O artigo descrevendo a BDIS recebeu aceitação em março do periódico Journal of Materials Science: Materials in Engineering. Muito especializada, não é o tipo de publicação que jornalistas de ciência conseguem monitorar, entre dezenas ou centenas de milhares na praça. Soube por acaso do trabalho.
Ou terá sido destino? Quem deu a letra foi o químico teórico Pavão, um dos pesquisadores mais inventivos que conheço (tem estudos sobre relâmpagos globulares, por exemplo). Foi meu professor de química no ensino médio, meio século atrás. Com ele aprendi que orbitais subatômicos podem ser descritos como “nuvens de probabilidade”.
Ciência também pode ser poesia e imitar a arte, para nosso deleite. E é um privilégio reencontrar um mestre, tanto tempo depois, para continuar aprendendo com ele.
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