Por admirável que seja o empenho do Itamaraty em resgatar a COP30 da irrelevância, cometeu-se um ato falho na escolha do Curupira como mascote da cúpula do clima. Até as crianças sabem: com os pés virados ao contrário, o menino ardiloso deixa pegadas simulando que anda para a frente quando caminha para trás.
A 30ª reunião do gênero vai evidenciar que 29 encontros anteriores da convenção da ONU sobre mudança climática, firmada em 1992 no Rio, nunca estiveram no trilho para resolver coisa alguma. Em 33 anos, a concentração atmosférica de CO2, principal gás do efeito estufa, passou de 360 ppm (partes por milhão) para 430 ppm.
E a queima de combustíveis fósseis vai seguir subindo, não importa quantos colchetes diplomatas mudarem de lugar no texto de Belém. O retorno de Trump ao comando dos EUA decerto não ajuda a mitigar o aquecimento global nem a adaptar o mundo para o pior, mas o setor de energia ainda produzirá cataclismos mais devastadores que seu saracoteio negacionista.
Bastam dois exemplos para indicar que o fundo do poço de petróleo, carvão e gás natural tem alçapão: inteligência artificial (IA) e aparelhos de ar-condicionado (AC). Dois devoradores de eletricidade, cuja geração ainda é 60% de origem fóssil no mundo (o Brasil constitui exceção notável entre grandes países, com 85% da matriz de fontes renováveis).
A IA está em voga, com projeções de crescimento exponencial nos próximos anos, mas pouco se fala da característica voracidade energética. Estima-se que seus servidores, em conjunto com computação na nuvem e processamento de criptomoedas, respondam por 2,5% a 3,7% das emissões mundiais de carbono, mais que todas as companhias aéreas juntas.
Supercomputadores não usam eletricidade só para movimentar bits em microprocessadores. Tais circuitos geram muito calor e precisam ser refrigerados, o que pode consumir até 40% da energia mobilizada. A Agência Internacional de Energia projeta que a demanda de data centers está a decuplicar-se entre 2024 e 2026.
Enquanto trememos de frio em parte do Brasil, a Europa enfrenta nova onda de calor. Temperaturas altas demais matam meio milhão de pessoas por ano, e a Organização Mundial da Saúde calcula que a cifra se multiplicará por cinco até 2050 –ano em que as emissões de carbono deveriam ser zeradas, se fosse para cumprir o Acordo de Paris, de dez anos atrás.
E por falar em França, eis que os filisteus da extrema direita de lá têm solução pronta –fácil e errada– para combater as ondas de calor: subsidiar ar-condicionado. Para a candidata presidencial Marine Le Pen, AC para as massas é a melhor adaptação ao aquecimento global.
Verdade que AC já deixou de ser um luxo para se tornar equipamento básico de saúde e eletrodoméstico essencial em vários lugares, como casas e escolas do Norte ou Nordeste. O problema, óbvio, está no alto consumo de eletricidade, que realimenta a espiral de CO2.
Hoje há pelo menos 2 bilhões de condicionadores em funcionamento, emitindo carbono equivalente a uma frota de 238 milhões de automóveis. Em 2050 esse número poderá chegar a 5,6 bilhões, ou 10 novos equipamentos a cada segundo.
Se no longo prazo estaremos todos mortos, no médio prazo, estaremos todos fritos.
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