Página Inicial Saúde Comer ultraprocessados leva a maior risco de morte precoce – 01/06/2025 – Equilíbrio

Comer ultraprocessados leva a maior risco de morte precoce – 01/06/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

A cada 10% de calorias advindas de alimentos ultraprocessados na dieta, somam-se 2,7 pontos percentuais no risco de morte precoce. E o que já é ruim pode piorar: e se metade da energia da dieta vier desses produtos? Nos EUA e no Reino Unido, 14% das mortes prematuras entre adultos estão associadas a esse padrão alimentar —o que equivale a mais de 120 mil mortes anuais. No Brasil, a taxa de consumo dos ultraprocessados é significativamente menor, de 17,4%, mas os impactos, ainda assim, são significativos. E a tendência é de piora.

O estudo, publicado no periódico American Journal of Preventive Medicine, foi conduzido por pesquisadores da Fiocruz, da USP (Universidade de São Paulo), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), além de colegas de outros países: Chile, México, Canadá, Austrália, Colômbia, Reino Unido e Espanha, e foi feita com apoio do CNPq e da Fapesp.

O grupo analisou dados de quase 240 mil participantes e calculou o risco relativo de mortalidade geral associado ao consumo de ultraprocessados. A seguir, aplicou esse risco médio a dados de consumo alimentar e mortalidade de oito países: EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália, México, Chile, Brasil e Colômbia.

A classificação Nova, adotada pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, referência internacional, define ultraprocessados como formulações industriais compostas predominantemente por substâncias derivadas de alimentos ou sintetizadas —como amidos modificados, proteínas isoladas, óleos refinados e aditivos cosméticos. São projetados para serem palatáveis e de longa duração, mas tendem a ser nutricionalmente desequilibrados e a substituir alimentos in natura e preparações culinárias tradicionais.

Para o Brasil, cujos dados vieram da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017–2018, a conta foi de 25 mil mortes precoces (ou 4,5%) ao ano associadas ao consumo desses alimentos. Embora o país ainda esteja entre os que menos consomem esses produtos entre os países analisados, os números mostram que a exposição e a adesão a esse padrão alimentar aumentaram significativamente nas últimas décadas.

Mas os números, por mais eloquentes que sejam, exigem alguma cautela na leitura. O modelo parte de uma meta-análise que fornece um risco médio global —incremento de 2,7% no risco de morte para cada 10% no consumo calórico de ultraprocessados. A inclusão de dados de locais tão distintos como a área rural da Colômbia (país da lista que menos consome ultraprocessados) e regiões suburbanas dos EUA pode implicar um grau de incerteza. Esse tipo de metodologia, contudo, é comum em grandes levantamentos internacionais.

“Infelizmente, há pouquíssimos riscos relativos desagregados por país ou por grupos populacionais, então o uso de dados combinados torna-se prática comum e, por isso, é listado nas limitações dos estudos”, explica Eduardo Nilson, autor do estudo e pesquisador da Fiocruz e da USP. Ele conta que as discrepâncias foram consideradas, e a margem de erro de cada contexto está embutida para refletir adequadamente essa incerteza.

Outro ponto sensível é a defasagem dos dados em alguns países. No caso do Chile, os números vêm de uma pesquisa de 2010, bem antes do recente aumento no consumo de ultraprocessados. “Pretendemos aprofundar as análises específicas por país no futuro, de modo a explorar possibilidades como o uso de pesquisas mais recentes”, diz Nilson.

Mesmo com essas limitações, o estudo opta por uma abordagem conservadora ao se concentrar na mortalidade geral —uma medida agregada, que evita superestimar efeitos específicos.

A indústria alimentícia tem reagido à classificação e à rotulagem dos ultraprocessados argumentando que ela é imprecisa e desconsidera avanços na formulação dos produtos. Afirmam, por exemplo, que alguns desses alimentos são enriquecidos com fibras, proteínas e micronutrientes —como cereais matinais fortificados, bebidas vegetais com cálcio adicionado e produtos à base de soja com alto teor de proteína. O setor considera que critério de processamento não deveria se sobrepor à análise nutricional.

Segundo Nilson, porém, esse argumento ignora o padrão alimentar como um todo: “É uma lógica reducionista. Não se trata de um nutriente isolado, e sim de como os alimentos são consumidos, processados e promovidos socialmente.”

Apesar das divergências, Nilson reconhece que a indústria pode ter um papel positivo. “Ela pode reformular seus produtos, eliminando aditivos cosméticos e utilizando ingredientes in natura ou minimamente processados para que deixem de ser ultraprocessados —e priorizar esses produtos em termos de preço, vendas e marketing.”

O desafio, segundo o cientista, é tornar o comportamento saudável o mais fácil, acessível e barato possível —com subsídios a alimentos frescos, taxação de ultraprocessados, rotulagem clara, regulação da publicidade infantil e intervenções em ambientes alimentares, como escolas e aplicativos de entrega. Tecnologias digitais também entram na conta: “elas podem tanto promover quanto frear o consumo de ultraprocessados, e também precisam ser moldadas para o bem público”, diz Nilson.

Os efeitos nas taxas de mortalidade podem levar anos para aparecer, especialmente em países onde esses produtos já dominam a dieta. Metas de médio prazo incluem o monitoramento de condições como obesidade, hipertensão e diabetes —doenças que costumam cair antes da mortalidade e servem como termômetro do impacto das políticas de alimentação saudável.

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