Sarah Redzikowski inclinou a cabeça e se aproximou da câmera do celular, examinando a vermelhidão que se espalhava das maçãs do rosto até o queixo. Passou os dedos sobre a pele inchada e soluçou, colocando o rosto entre as mãos. “Odeio fazer isso comigo mesma”, disse baixinho.
A influenciadora de 40 anos estava revelando aos seguidores do TikTok um segredo que escondeu até dos amigos e familiares mais próximos durante décadas: a compulsão de cutucar a pele que desenvolveu aos 12 anos, muitas vezes a ponto de sangrar e deixar cicatrizes. E por mais desesperadamente que queira parar, simplesmente não consegue porque sofre de uma condição: a dermatotilexomania.
Ela calcula que fica pelo menos duas horas por semana raspando a pele do rosto, do couro cabeludo, dos braços, das costas, do peito e das pernas. “Passei pelo menos 125 dias de minha vida debruçada sobre o espelho. São 125 dias que eu nunca vou recuperar”, prosseguiu.
Segundo os especialistas, quem sofre do transtorno de escoriação ou outros problemas semelhantes, como arrancar os cabelos ou roer unhas incontrolavelmente –comportamentos conhecidos como “repetitivos com foco no corpo” (ou BFRBs, na sigla em inglês)– pode sentir uma vergonha tão debilitante que não admite o comportamento nem mesmo em pesquisas anônimas. Afinal de contas, os dedos que arrancam os fios são seus, as unhas cravadas na pele são suas.
Mas esse tipo de sigilo dificulta a cura de muita gente que sofre do mal que afeta pelo menos três por cento da população mundial. “É difícil tocar a vida quando se está tão preso ao constrangimento a ponto de não conseguir nem falar sobre a questão com ninguém”, afirmou Suzanne Mouton-Odum, psicóloga especializada no tratamento do transtorno que trabalha em parceria com uma organização sem fins lucrativos de apoio a pessoas com BFRB.
Justamente por isso a decisão de Redzikowski de expor a pele nas redes sociais foi tão radical –e aceitar que falar do problema é uma forma de se curar foi uma lição dolorosa que levou décadas para aprender.
Um “ciclo constante de vergonha”
O banheiro era o único lugar na casa onde Redzikowski cresceu que tinha tranca, e era para lá que ia quando a mãe e o padrasto brigavam. Foi na frente do espelho que havia ali que notou algumas espinhas nas costas, e começou a espremê-las e a cutucá-las; depois, os dedos migraram para as imperfeições do rosto, que se destacavam sob as luzes fortes do teto. Chegava a passar horas cutucando a pele, dobrando-se sobre a pia para chegar o mais perto possível do espelho. Era o que lhe dava algum conforto, uma sensação de controle.
Na adolescência, Redzikowski fez o que pôde para manter em segredo o fato de viver arrancando pedacinhos da própria a pele: usava o cabelo enrolado sobre o rosto para esconder as bochechas em carne viva, às vezes colocando o ferro quente de leve sobre os pontos em que havia mexido para que as queimaduras chamassem mais atenção do que as crostas. Líder de torcida, usava camiseta por baixo do uniforme, que não tinha manga, para esconder as marcas nas costas e no peito. Certa vez, em pânico depois de um surto particularmente feio na noite anterior ao dia da foto oficial da escola, cortou a própria franja para esconder o inchaço na testa.
No entanto, é quase impossível esconder de todo mundo os sinais de um BFRB, como os cortes abertos e as feridas na pele, os pontos onde o cabelo rareia e/ou o sangue sob as unhas.
Quando Saharra Dixon começou a arrancar os pelos pubianos, logo após alcançar a puberdade –o que é um gatilho comum–, seu avô questionou por que estava sempre com as mãos dentro da calça. Constrangida, passou a arrancar os cabelos, e não demorou para a mãe a repreender pelas falhas no couro cabeludo. “Ela disse: ‘O dia que eu a levar ao salão, você não vai mais ter cabelo para arrumar'”, relembrou. E os questionamentos só a faziam se sentir pior em relação à compulsão de puxar os cabelos/pelos, ou tricotilomania.
“Foi essa coisa de apontar o fato toda hora que fez com que eu começasse a sentir vergonha”, admitiu Dixon, 29, atualmente doutoranda e coach de saúde e bem-estar que trabalha com pessoas não brancas e de outras comunidades marginalizadas com BFRB.
Mouton-Odum contou que já atendeu casos de pais que justificam a calvície parcial do filho como sendo câncer. “Imagine o nível de constrangimento de quem prefere mentir desse jeito em vez de assumir o transtorno.”
Redzikowski aprendeu a aplicar maquiagem com habilidade para esconder a pele machucada da família e dos amigos e também se sentir mais confiante –e acabou optando por seguir a carreira de maquiadora profissional. “A pessoa pode se sentar à minha cadeira com o problema que for, mas sabe que vou deixar a pele dela impecável”, garantiu.
Certa noite, Redzikowski deixou a pele tão irritada que não conseguia nem pensar em se expor no trabalho no dia seguinte –e resolveu engolir um punhado de analgésicos. “O distúrbio tinha criado uma situação tão angustiante que achei não ter outra escapatória.” Demorou mais de 24 horas para recobrar a consciência.
Sufocando o desejo de arrancar a própria pele
Durante boa parte da vida, Redzikowski achou que o impulso de abrir lesões era apenas um mau hábito –e só ficou sabendo o que era dermatotilexomania quando começou a se consultar um psiquiatra para tratar a depressão, em 2021. No ano anterior, durante os lockdowns da pandemia, havia cutucado a pele a ponto de sangrá-la quase todos os dias.
O psiquiatra recomendou um tratamento com o aminoácido N-acetilcisteína (NAC), que em algumas pessoas reduz a vontade de cutucar ou puxar a pele, sugeriu que ela cobrisse os espelhos de casa e comprasse brinquedos antiestresse para manter as mãos ocupadas. No entanto, médico e paciente ficaram tão concentrados no tratamento da depressão que nunca discutiram o problema a fundo ou tentaram descobrir o que o desencadeava. Por isso, a melhora foi mínima.
“Não há cura para o BFRB, e as intervenções físicas não ajudam muito se não há abordagem da necessidade subjacente que motiva o comportamento”, resumiu Mouton-Odum.
Há pouco tempo, em uma sessão de terapia, Redzikowski atribuiu à infância caótica o motivo do hábito. “Virou meu mecanismo de enfrentamento”, admitiu. Até hoje continua sendo o comportamento de autocontrole ao qual recorre em momentos de estresse, como os incêndios florestais recentes perto de sua casa, em Los Angeles, mas mesmo quando não se sente sufocada, se vê compelida a espremer ou a tirar qualquer defeito que vê. “Quando vejo uma imperfeição, quero arrancar.”
Para ajudar as pessoas a aprender a lidar com esse desejo sem se deixar levar por ele, os profissionais geralmente sugerem certos tipos de terapia, bem como grupos de apoio.
O simples fato de falar abertamente sobre esse comportamento foi um alívio para Jason Yu, 31, que passou dez anos tentando de tudo para parar de cutucar a pele das mãos, como usar luvas e amarrá-las nos pulsos para dificultar a remoção, ou passar creme. Foi só quando entrou em um grupo de apoio, porém, que realmente começou a descobrir algum alívio –até que iniciou um podcast sobre BFRBs com um amigo com o mesmo problema.
Agora, quando se pega raspando os nós dos dedos, sabe que é um sinal de que o corpo está ansioso e talvez precise de algo –um lanche, um telefonema para um amigo, ar fresco. “Aceitar o comportamento me ajudou a reduzi-lo. Não estou cem por cento livre de cacoetes, mas já cheguei a uns 95 sólido como uma rocha, e isso já me basta.”
Compartilhando as cicatrizes
Um dia, Redzikowski decidiu que estava cansada de se esconder. Amarrou uma bandana rosa na cabeça, pôs o cabelo para trás para revelar o rosto e olhou para a câmera do celular. “Hoje vou mostrar para vocês como cobrir essa pele marcada, que destruí no fim de semana”, disse, e começou a revelar a luta de décadas enquanto passava corretivo.
O vídeo teve quase 400 mil visualizações no TikTok e centenas de comentários de pessoas com BFRB. “Obrigada por contar sua história. Achei que fosse a única”, disse um comentário. “Nunca me senti tão bem-representado”, vibrou outro.
Redzikowski ainda não parou de se ferir e duvida que algum dia consiga, mas faz questão de lembrar sempre que é um distúrbio, e não uma escolha sua.
Admite também que ver o próprio rosto sem filtros no feed pode, às vezes, desencadear novas lesões ou trazer à tona pensamentos negativos, mas se vê motivada a continuar postando mesmo assim. “Não consigo nem imaginar o impacto que teria na minha vida ver um conteúdo como o que produzo hoje quando era mais nova.”