Não canso de sonhar com árvores. De quinta para sexta-feira sonhei com minhas duas cerejeiras sakura em flor (foi pesadelo: a vizinha cortara uma delas com motosserra). Isso depois de adormecer lendo mais uma história incrível de Stefano Mancuso sobre árvores, no livro “A Planta do Mundo” (Ubu Editora).
Coisa de lunáticos americanos e brasileiros, no bom sentido: gente que gosta de árvores e da Lua. Mais exatamente, mudas germinadas de sementes levadas ao espaço por Stuart Roosa, em 1971, na missão Apollo-14. Uma delas foi parar em Santa Rosa (RS), onde quase morreu.
Antes do Rio Grande, vamos à Lua. O futuro astronauta Roosa tinha trabalhado no combate a incêndios florestais no Oregon, onde teria nascido sua paixão por árvores. Propôs ao serviço florestal dos EUA um experimento singelo, comparar a germinação das sementes após o passeio espacial com controles deixados na Terra (não se constatou diferença).
Na diminuta bagagem pessoal a que tinha direito, levou um recipiente com cerca de 500 sementes de árvores: pinheiro-americano (Pinus taeda), plátano (Platanus occidentalis), abeto-de-douglas (Pseudotsuga menziesii), liquidâmbar (Liquidambar styraciflua) e sequóia-vermelha (Sequoia sempervirens).
(Algumas dessas espécies estão entre as personagens do imperdível romance “A Trama das Árvores”, de Richard Powers, da Todavia. Mal consigo imaginar o trabalhão da escritora Carol Bensimon ao traduzir as 645 páginas.)
Mancuso cita no capítulo final de seu livro que três árvores da Lua terminaram no Brasil. Puxando o fio cheguei à página The “Moon Trees”, com farto material sobre o trio —uma em Brasília, outra em Cambará do Sul (RS) e a terceira em Santa Rosa.
Nessa última cidade gaúcha chegou um pé de sequóia-vermelha, instalado nos anos 1980 na praça central São José. Não se desenvolveu bem. Em 2006, à beira da morte, encontrou o paisagista Vilso José Cembranel, chamado pela prefeitura para salvar a árvore célebre.
Cembranel fez o diagnóstico: o cimento em volta estava sufocando raízes do vegetal das florestas úmidas dos EUA, que sofria ainda com as secas gaúchas, iluminação noturna que não lhe dava descanso e a sombra de árvores maiores. O concreto se foi, podas aumentaram a insolação, mas o poste de luz continuava lá.
O paisagista e professor aposentado quebrou as lâmpadas uma dezena de vezes, até convencer a prefeitura a tirar o poste. A muda esquálida ganhou força e hoje alcança 20 m de altura —nada que se compare às congêneres da Califórnia e do Oregon, cinco vezes maiores.
Cembranel, hoje com 78 anos, fez mais. Produziu clones com galhos da sequóia, talvez um milhar de mudas que vem doando há décadas (nunca vendeu uma, contou por telefone). Chamadas de “meia-luas”, há mudas espalhadas pelo Brasil e até na Argentina e no Uruguai.
O primeiro capítulo de Mancuso versava sobre as árvores da liberdade, símbolos que se espalharam pelos EUA e pela França no século 18. Cá entre nós, a árvore da democracia brasileira precisa de um Cembranel para romper o concreto armado de interesses com que o Congresso sufoca o Estado, espantar luas-pretas do fraco governo Lula e mitigar estiagens de valores republicanos no Judiciário.
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