O Elevidys, medicamento para distrofia muscular de Duchenne (DMD) que custa R$ 14,6 milhões, gerou efeito adverso em 3 dos 10 pacientes que receberam o remédio no Brasil. O tratamento foi disponibilizado para pacientes no país após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Um dos casos resultou na morte de uma criança de 8 anos. O óbito foi registrado no dia 7 de junho e investigado pela agência reguladora norte-americana, a FDA (Food and Drug Administration). Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o quadro é clinicamente compatível com uma infecção viral grave (influenza A), intensificada por imunossupressão.
De acordo com especialistas, a imunossupressão é um efeito do remédio corticoide que é usado em conjunto com o Elevidys, conforme protocolo da terapia gênica. Não é possível, no entanto, confirmar a relação entre a infecção viral e a terapia. De acordo com a Anvisa, o caso apresentou “nexo causal improvável com o uso do Elevidys.”
O menino tinha 8 anos, idade fora do previsto em registro concedido pela Anvisa à farmacêutica Roche, fabricante do medicamento.
Em nota, a Roche afirmou que recebeu com tristeza a notícia da morte do paciente no Brasil “em decorrência do agravamento de sintomas de Influenza A”, e disse que a morte foi reportada às autoridades de saúde, conforme exigido pelas regulamentações locais.
No Brasil, o registro do Elevidys foi feito em dezembro de 2024, em caráter excepcional, exclusivamente para pacientes pediátricos deambuladores na faixa etária de 4 a 7 anos, idade que consta em bula. Pacientes deambuladores são aqueles que conseguem andar uma distância de dez metros em até 30 segundos. Os não deambuladores utilizam cadeira de rodas para longos percursos.
A família teria conseguido acesso à terapia após dar entrada em um processo judicial quando a criança era mais nova, e obteve o remédio com atraso, devido à demora do procedimento no Judiciário. A droga se tornou esperança para famílias de crianças que apresentam a doença rara. A distrofia causa fraqueza progressiva dos músculos, levando, com o tempo, à perda de mobilidade e comprometendo as funções respiratória e cardíaca.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, retirou em dezembro a suspensão de decisões pela compra do medicamento. Assim, se os pacientes cumprissem os requisitos definidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a União deveria arcar com o tratamento.
No entanto, a Anvisa decidiu, por precaução, suspender a comercialização e o uso da terapia gênica no último dia 24 de julho, após a FDA relatar três óbitos nos Estados Unidos associados ao uso de produtos de terapia gênica com a tecnologia vetorial AAVrh74. Dois dos casos aconteceram em pacientes não deambuladores com DMD e o terceiro foi de um paciente adulto com distrofia muscular de cinturas, que utilizou um produto de terapia gênica experimental baseado no mesmo vetor viral.
Mas, em novo revés, na segunda-feira (28), a FDA recomendou a remoção da suspensão do fornecimento para deambuladores com DMD, uma vez que a agência americana concluiu que a morte do paciente brasileiro não tinha relação com o Elevidys.
A Anvisa afirma ainda que os dois outros casos de efeitos adversos estão relacionados com os efeitos do remédio já descritos em bula e observados nos estudos clínicos.
São eles o aumento de enzimas musculares e sintomas gastrointestinais, que podem estar relacionados a corticoterapia, usada para supressão imunológica. Também foram observados aumentos das enzimas hepáticas e hepatite. A toxicidade hepática é um risco documentado com vetores AAV, da terapia gênica.
O remédio já havia sido alvo de dúvidas após ter recebido parecer inicial negativo da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) no processo que avalia a oferta da droga na rede pública.
O comitê de medicamentos do órgão considerou que “há incertezas quanto à eficácia dessa terapia, além de ela apresentar um perfil de segurança que indica risco potencial de eventos adversos graves, como miosite (inflamação dos músculos) e lesão no fígado”.
Desenvolvido para estabilizar a função muscular, ainda que de forma parcial, a droga é indicada para crianças com idade entre 4 e 7 anos por só ter sido pesquisada nesse público, afirma o médico Acary Oliveira, do departamento de neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
“A pesquisa clínica é feita para certas observações e cuidados. Com o tempo, começa a haver utilização em faixas não pesquisadas e, aos poucos, vai se liberando para outras faixas. Mas até o momento, a pesquisa foi feita entre pacientes de 4 a 7 anos. Fora disso, não está em bula”, afirma.
Conforme o neurologista, para que o Elevidys não proporcione uma alteração na parte hepática, é preciso a administração de corticoide em dosagem elevada. “E esse corticoide, sim, funciona com imunossupressor.”
Segundo o neurologista Rodrigo Holanda, especialista em doenças neuromusculares, mesmo a pouca diferença de idade dos pacientes pode fazer a diferença na aplicação do Elevidys, uma vez que ainda estamos conhecendo as complicações relacionadas ao uso das terapias gênicas.
A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética rara, que acomete principalmente crianças do sexo masculino. Essa alteração genética é caracterizada pela falta ou alteração de uma proteína no músculo, a distrofina, que causa o principal sintoma da doença: fraqueza muscular. A condição pode levar à perda progressiva de habilidades motoras, como correr, pular e subir escadas.
Até então, o uso de corticoides para retardar a progressão da fraqueza muscular era o único tratamento disponível no país.