É considerada pessoa com deficiência aquela que apresenta alguma disfunção em relação à maioria, seja física, sensorial ou intelectual. Ela pode apresentar dificuldades em diversos níveis, como de locomoção, motricidade, percepção e até em relações sociais. É a partir disso que entra a necessidade do cuidado.
É com o cuidado adequado que a pessoa pode adquirir autonomia e independência. Seja por meio de uma pessoa cuidadora, um profissional de saúde, um tratamento ou especialmente por meio de políticas públicas efetivas que garantam direitos.
Abrão Dib, presidente da Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD), enfatiza que a garantia de moradias para todos, moradias acessíveis, atendimento especializado completo e a reestruturação de espaços físicos é fundamental para começar a pensar a autonomia.
“Para que a pessoa tenha independência, ela precisa ter estruturas”, afirma.
A Lei Brasileira de Inclusão visa assegurar os direitos fundamentais das pessoas com deficiência tentando prover acessibilidade, inclusão social, acesso à justiça, saúde, educação e trabalho.
“A gente tem uma legislação muito robusta”, diz a deputada estadual Andrea Werner (PSB-SP), que atua pelos direitos das pessoas com deficiência. “O grande problema é efetivar essas políticas públicas, porque dependemos de orçamento.”
Sem o cumprimento das leis, o debate sobre a autonomia e independência de um indivíduo com algum tipo de deficiência se torna um desafio, segundo especialistas.
Em um nível de cuidado físico e psicológico, o ideal é que a pessoa tenha acesso a uma equipe multiprofissional, afirma Acary Souza, neurologista e coordenador do Setor de Investigação em Doenças Musculares da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Uma equipe completa envolve, além dos médicos especialistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, que desenvolvem alternativas para o dia a dia, enfermeiros para os cuidados primários em saúde, nutricionistas para garantir a alimentação correta e até mesmo psicólogos para ressignificar o sentido de vida daquela pessoa.
No Brasil, é muito comum que —sem o apoio necessário— a família de uma pessoa com deficiência se torne o principal núcleo de cuidado, muitas vezes sem o preparo e qualificação necessários para tal.
Camila Tapia, 42, tinha 25 anos quando recebeu o diagnóstico de Ataxia de Friedreich. E isso mudou completamente a sua vida desde então.
“Quando você tem um diagnóstico de uma doença rara, sem tratamento e progressiva, é um choque. Abalou meus hábitos do dia a dia e também da minha família.”
Depois de anos seguindo o tratamento sem ver melhora, ela desanimou. Foi a gravidez de seu filho, hoje com 9 anos, que voltou a motivá-la. Atualmente Camila mora com o garoto e com mãe, de 76 anos. É com eles que ela conta quando precisa de algo no seu dia a dia.
“Moro em uma casa antiga, não dá para deixar ela totalmente acessível.” Ela conta que, apesar de cadeirante, consegue dar alguns passos, então sua mãe a ajuda com o apoio para subir e descer as escadas todos os dias.
As principais atividades, como tomar banho —o banheiro tem barras de apoio—, comer e se vestir, ela faz sozinha. “Hoje eu faço fisioterapia duas vezes por semana, o que é muito pouco. Eu teria que fazer todos os dias, mas não dá, porque fisioterapia é muito cara.”
Camila até dirigia, mas optou por abandonar o carro depois de se envolver em um acidente por falta de reflexo. Foi aí que teve a ideia de comprar uma motoneta elétrica para área externa. “É com ela que vou ao mercado, à farmácia.”
Mas mesmo com esse equipamento, conta que a maioria dos locais não são acessíveis no bairro, e que é difícil circular nas calçadas. Para ela, se os locais fossem mais acessíveis, ela não precisaria de ajuda. “Aí eu ganho autonomia”, diz.
Abrão Dib afirma que os obstáculos a serem enfrentados para que a pessoa com deficiência no Brasil garanta a sua autonomia nos estudos e a independência são grandes, a começar pela adaptação de residências, políticas de moradia, estudo e convivência em universidades.
“[É uma conscientização] da sociedade e das autoridades. Então, se o dono de uma faculdade dificulta até o desconto na mensalidade para uma pessoa com deficiência, ele recusa a pessoa com deficiência”, diz. “Tem que ter um compromisso pela acessibilidade num todo.”
Ana Clara Moniz, 25, diz que a principal dificuldade que enfrenta hoje é o preconceito das pessoas. “A gente é criado numa sociedade que acredita que pessoas com deficiência não são capazes, que precisam ser tratadas como crianças, ou que sejam invalidadas ou que não sejam independentes.”
Os pais de Ana sempre a incentivaram a ser uma mulher independente e a participar de todas as atividades da escola, como excursões e passeios.
Assim, ela sempre teve o sonho de sair da casa e morar sozinha. Ela se mudou para São Paulo com 21 anos.
Ana tem o diagnóstico de atrofia muscular espinhal desde que nasceu, e por isso nunca andou. “Tenho cuidadoras que ficam comigo, quase nunca tô sozinha. Fui achando formas de ir adaptando a minha casa e as coisas que eu gosto de fazer. Dependo de ajuda, mas gosto ao máximo de me virar.”
Um de seus principais lemas é o que dizia a ativista americana Judith Heumann, que ser independente não é necessariamente fazer as coisas sozinho, mas sim estar no controle de como as coisas são feitas. E Ana sabe como quer que as coisas sejam feitas.
“É a barreira atitudinal que precisamos quebrar para que as pessoas entendam que o lugar da pessoa com deficiência é em todo lugar e, na verdade, a responsabilidade não é que elas adequem-se, é que os locais se adequem”, diz Werner.
Para o médico Acary Souza, o principal cuidado que se pode oferecer a uma pessoa com deficiência é a ressignificação da sua missão a ser cumprida. “Não é só fazer a pessoa se movimentar ou falar, é fazer com que ela crie um senso de utilidade para ela e para a sociedade.”