O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (30) um decreto que pretende reduzir o uso de agrotóxicos no Brasil e promover práticas agropecuárias sustentáveis que resultem em alimentação saudável e proteção do meio ambiente, com controle social.
O alvo são aqueles pesticidas considerados altamente tóxicos para o meio ambiente e a saúde humana, ao mesmo tempo em que o governo pretende fortalecer a produção e o acesso a bioinsumos, ou seja, a tecnologias biológicas de controles de pragas.
O texto, que cria o Pronara (Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos), no âmbito da Pnapo (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica), chega após o Brasil ter batido um recorde no registro deste tipo de produto.
Em 2024, o país registrou 663 agrotóxicos, componentes e afins. Trata-se de um recorde na série histórica, iniciada em 2000, ano em que houve 82 liberações, segundo levantamento feito pelo Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), com dados de 2021, colocou o Brasil como o país que mais usa agrotóxicos no mundo.
Segundo os dados, naquele ano o país aplicou 719,5 mil toneladas de pesticidas nas lavouras nacionais, valor maior do que aquele usado por China (224 mil toneladas) e EUA (457 mil toneladas). Segundo a FAO, em 1990 o Brasil consumia 51,1 mil toneladas de agrotóxicos por ano. Em 31 anos, essa quantidade aumentou 1.300%.
Além disso, estudos têm apontado para a presença de agrotóxicos nas águas de rios e até nas chuvas de São Paulo. Alguns dos pesticidas encontrados nessas análises já foram proibidos na UE (União Europeia).
Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), a exposição a agrotóxicos durante a sua produção, manuseio e aplicação na lavoura está relacionada a diversos tipos de cânceres, tais como de pulmão, fígado, bexiga, próstata e mama. Levantamento feito pelo instituto aponta que 40% dos agrotóxicos usados no Brasil já foram banidos pela UE.
O Pronara lançado agora pelo governo federal pretende implementar ações para a redução do uso agrotóxicos e seu uso racional, incentivando práticas sustentáveis que promovam sistemas alimentares saudáveis. O texto trata da integração do controle, da fiscalização e do monitoramento, além de difusão de informações a respeito dos riscos à saúde e ao meio ambiente.
“É um baita avanço o Brasil ter uma legislação que visa a redução de agrotóxicos numa conjuntura em que o mundo inteiro está retrocedendo neste campo. O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo”, explica a geógrafa Larissa Mies Bombardi, pesquisadora de agrotóxicos e autora do “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”.
Para ela, que atua no Laboratório de Agroecologia da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, incentivar o controle social neste campo, por meio da participação da sociedade civil organizada, é louvável. Bombardi avalia, no entanto, que alguns pontos importantes sobre o tema ficaram de fora do decreto, como a classificação mais precisa do que são agrotóxicos perigosos e a redução ou banimento da pulverização aérea de pesticidas.
“A pulverização aérea poderia já ter sido tratada, seja para proibi-la, seja para promover a sua diminuição gradativa. Essa é uma prática que só tem crescido no Brasil e é a principal forma de contaminação por agrotóxicos”, afirma a pesquisadora, para quem também poderia haver menção específica à proteção de comunidades indígenas e quilombolas.
“São as mais vulneráveis ao uso de agrotóxicos”, diz.
Para o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, o programa é uma vitória da sociedade civil organizada, que há anos pressiona por medidas que foquem no uso de agrotóxicos no Brasil.
“Era um debate muito forte o da urgência de instaurarmos políticas estruturantes num país que tem um uso excessivo de agrotóxico”, afirma, destacando a questão da isenção fiscal desses produtos e os estudos do campo da saúde que apontam para o impacto na saúde gerado por pesticidas.
Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5553) discute no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal) a constitucionalidade de isenções tributárias aplicadas a agrotóxicos no Brasil.
Proposta pelo PSOL, a ADI questiona regras do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) que reduzem em 60% a base de cálculo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre agrotóxicos, bem como a legislação que estabelece alíquota zero do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para alguns desses produtos.
“Isso criou um sistema distorcido em que se usa mais agrotóxicos do que deve. Por isso, o programa lançado agora conseguiu apoio político para provar que é possível repensarmos o uso desses produtos no Brasil e darmos início a uma transição para sistemas agroecológicos com uso de bioinsumos”, completa Maluf.