Cansada da abordagem das pessoas com quem dá “match” em aplicativos de relacionamento, a publicitária Carolina Barreiros, 31, passou a postar nas redes sociais vídeos em que dá dicas de como conhecer pessoas no mundo real. Parques, feiras e museus estão nas sugestões de locais citados por ela, que se inspira em séries como “Sex and the City“.
Apesar de ainda estar cadastrada em alguns apps, Carol diz que a frustração a afastou desse ambiente virtual. “Essas plataformas até cumprem com o propósito, mas acho que o problema está mais nos usuários. É possível conhecer pessoas por lá e estabelecer conexões, mas vejo que não é o que a maioria dos homens tem procurado.”
“Comecei a gravar porque acho que é um desejo enraizado de várias mulheres que são criadas com produtos da cultura pop e sonhavam conhecer pessoas de um jeito cinematográfico, de forma semelhante ao que consumimos numa era pré-apps”, afirma.
Ela não é a única a pensar assim. Aos 52 anos, a técnica em enfermagem Morgana Carvalho conta que deu uma pausa nas plataformas de relacionamento, que usou por mais de dez anos após sugestão da filha.
No começo, ela diz, o aplicativo até rendeu boas conexões, de namorados a amizades que ainda carrega, além de ter sido uma ferramenta para conhecer pessoas também de outros estados. “Mas logo me desanimava, porque eu sabia que não mudaria de estado e ele também não veio morar para cá [São Paulo], então era perda de tempo.”
Estratégias para conhecer pessoas no modo offline surgem a todo momento. Do abacaxi propositalmente colocado de cabeça para baixo no carrinho para sinalizar solteirice em supermercados espanhóis às corridas com meia azul para mostrar disponibilidade aqui no Brasil, outros movimentos já denunciavam a exaustão por trás do uso de plataformas de relacionamento.
Alternativas como essas surgem especialmente após a pandemia de Covid e o isolamento social, segundo o doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Cláudio Paixão.
“O esgotamento da cultura do ‘deslize’ [devido ao movimento de deslizar o dedo na tela] nos aplicativos é um efeito pandêmico”, diz Paixão. “Essa questão da solidão, do déficit de conexão real entre as pessoas foi criado pela pandemia.”
A busca por conexões presenciais e mais autênticas, de acordo com ele, são respostas à frustração e ao esgotamento gerados no ambiente virtual. “Porque num mundo virtual você fica preso às curtidas para reforçar a autoestima. E, quando isso falha, gera a frustração”, afirma.
Psicanalista e colunista da Folha, Carol Tilkian diz que, para ela, além do imediatismo, é justamente essa frustração de muitas horas de uso e poucos encontros que caracteriza o declínio do uso de aplicativos de relacionamentos.
“Se existe um desencontro, já achamos que o outro não está abrindo espaço e que está difícil se relacionar, mas, na verdade, a gente só está sendo intransigente”, afirma. “Eu acho que o aplicativo funciona na lógica de ‘mercantilização do afeto’, ou seja, somos pessoas querendo performar, mas no fim fica todo mundo exausto”, completa.
No Brasil, grupos como os de corrida têm sido utilizados como espaços para conhecer novas pessoas. Fora do país, aplicativos de exercício como o Strava também funcionam como plataforma para “match”.
“São formas de conhecer gente com um assunto em comum para conversar”, afirma a psicanalista.
A exemplo disso, algumas plataformas de relacionamento têm investido atividades que promovam um encontro pessoal. O aplicativo Inner Circle, por exemplo, promove a “Run in Love” —uma corrida para conectar pessoas no mesmo pace— e uma festa com música e cinema no Dia dos Namorados, mas pensada para solteiros.
De acordo com Carol Tilkian, quando as interações são estimuladas por um gosto em comum, seja corrida, clube de leitura ou ioga, a tendência é que ocorra uma diminuição da ansiedade. “Você vai saber que toda segunda, quarta e sexta vai ver a pessoa no local. Então, em algum lugar, isso cria uma ilusão de controle que aplaca essa ansiedade.”
Outro efeito que pode potencializar a queda do interesse por aplicativos, avalia Carol, é a mega crise do nosso tempo —política, econômica, climática. “São coisas que desestabilizam tudo que nos estruturava. E essa sensação de instabilidade também respinga no amor.”
Psicóloga clínica, Vanessa Amorim afirma que gerações mais novas tendem a ser menos tolerantes com os aplicativos —e são justamente elas que buscam outras maneiras de flertar. “É uma característica geracional, porque são muito mais suscetíveis e pouco tolerantes à frustração”, diz.
Ela avalia, contudo, que esse esgotamento no ambiente online é um reflexo dos desafios do mundo real. “Na realidade, os relacionamentos não dão muito certo porque as pessoas não se relacionam. E isso ficou muito evidente na pandemia, quando o número de divórcios explodiu no país.”
Esse resgate das velhas formas de se relacionar, somado à maneira como os usuários têm lidado com os aplicativos, para Carol Tilkian, não sinalizam o fim dos aplicativos de relacionamento, pelo contrário, mas é necessário repensar o uso no modo piloto automático. “Se a gente continuar usando de forma gamificada e para aplacar o tédio, provavelmente a gente vai seguir reclamando e cansado.”
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