A 85ª edição da Associação Americana de Diabetes, a ADA (American Diabetes Association), mostrou que uma preocupação atual dos médicos é o aumento da diabetes tipo 2 em jovens. Segundo a versão 2025 do Atlas da Diabetes, a doença representa 90% dos casos em todo mundo.
O levantamento mostra que, globalmente, a prevalência é alta e esse crescimento é impulsionado por diversos fatores, como o envelhecimento populacional. A projeção para 2050 prevê um aumento de 17% na prevalência da diabetes devido ao envelhecimento da população e ao aumento da urbanização em todo o mundo
Um estudo da Federação Internacional de Diabetes (IDF), de 2021, estimou que 1,1 milhão de crianças e adolescentes entre 14 e 19 anos vivem com diabetes tipo 2. Com a obesidade infantil em alta e o sedentarismo mais presente, médicos alertam que o diagnóstico da doença está ocorrendo cada vez mais cedo.
“Nas últimas décadas, o comportamento e os hábitos de vida das crianças e dos adolescentes têm mudado consideravelmente”, explica Márcio de Souza Roberto, coordenador de endocrinologia de hospitais da Rede D’Or em São Paulo. “Uma combinação de sedentarismo, alimentação rica em ultraprocessados e o aumento da obesidade infantil criou o terreno perfeito para o aparecimento do diabetes tipo 2 cada vez mais cedo.”
Segundo ele, os principais fatores de risco incluem obesidade abdominal —que gera resistência à insulina precoce—, distúrbios do sono causados pelo excesso de telas (que afetam a produção de melatonina), fatores epigenéticos como diabetes gestacional e histórico familiar da doença. Esses elementos se combinam, aumentando a vulnerabilidade metabólica já na infância.
A endocrinologista Deborah Mello Beranger, especializada em obesidade e emagrecimento, destaca que o excesso de peso também tem antecipado a puberdade. “Com o aumento da obesidade, vemos que a puberdade tem se tornado cada vez mais precoce”, afirma. Ela explica que isso ocorre porque o acúmulo de gordura reduz os níveis de SHBG, proteína que transporta hormônios sexuais, provocando alterações hormonais. “Estudos da Universidade de Plymouth, na Inglaterra, mostram que a puberdade, em meninas, passou dos 14 para os 10 anos devido à redução dessa proteína.”
Outro ponto de alerta é o tempo de exposição à doença. Embora o diabetes tipo 2 em jovens não seja mais agressivo, o diagnóstico precoce significa que as complicações tendem a surgir décadas antes —por volta dos 40 anos, em vez dos 60 ou 70.
Estudos recentes apontam que quanto mais cedo o diabetes tipo 2 se manifesta, maior o risco de desenvolver demência na velhice. Isso ocorre por mecanismos como neuroinflamação, estresse oxidativo e lesões nos vasos cerebrais. “Esses fatores aceleram tanto a demência vascular quanto doenças neurodegenerativas como o Alzheimer, mesmo em pessoas mais jovens”, afirma Márcio de Souza Roberto.
“O próprio diabetes tipo 2 já é um fator de risco independente para demência. Nos jovens, o impacto é mais silencioso, mas começa precocemente, especialmente se o controle da glicemia for inadequado”, completa o endocrinologista.
Para reduzir o risco de complicações precoces, o especialista recomenda controle rigoroso da glicemia (com metas individualizadas de hemoglobina glicada, HbA1c), prática regular de atividade física, alimentação saudável, controle de comorbidades como obesidade e hipertensão, sono adequado e abandono do tabagismo.
No entanto, o tratamento em crianças e adolescentes enfrenta barreiras específicas. A baixa adesão ao tratamento, a resistência ao uso de medicamentos crônicos, a falta de integração entre equipes pediátricas e de adultos e a presença de comorbidades como depressão e ansiedade dificultam o controle da doença.
“A transição do cuidado pediátrico para o adulto é um ponto crítico onde jovens frequentemente abandonam o tratamento”, alerta Márcio. “É uma fase delicada, em que o jovem busca mais autonomia e enfrenta conflitos emocionais e sociais. O diabetes, nesse momento, pode deixar de ser prioridade.”
O rastreamento precoce é fundamental. Segundo as diretrizes da ADA, ele deve começar aos 10 anos —ou no início da puberdade— em crianças com sobrepeso e fatores de risco associados, como histórico familiar, etnias de maior risco (como latinos, afrodescendentes e indígenas) ou sinais de resistência insulínica (casos de ovários policísticos, hipertensão ou colesterol alto).
“Estamos entrando numa era em que o tratamento do diabetes tipo 2 será cada vez mais individualizado”, afirma Márcio. Entre os avanços, ele destaca a monitorização contínua de glicose (CGM), que já é comum no tipo 1 e começa a ser incorporada ao tipo 2, além de aplicativos com inteligência artificial que ajudam na decisão terapêutica em tempo real.
Entre as inovações, ele cita o “pâncreas artificial”, um dispositivo “que combina um sensor de glicose com uma bomba de insulina que ajusta automaticamente as doses conforme a necessidade do corpo”, explica o médico. “Já é realidade para muitos pacientes com diabetes tipo 1, que não produzem insulina. No diabetes tipo 2, como o corpo ainda produz um pouco de insulina, essa tecnologia é menos necessária, mas já existem estudos para usar em casos mais graves da doença.”
A endocrinologista Deborah Mello Beranger afirma também que a doença ainda tem um desafio que é a aceitação dos pais de que se trata de um problema crônico. “Existe um fator genético importante, mas o maior desafio é o engajamento familiar nas mudanças comportamentais. A criança, muitas vezes, pede essa mudança. É preciso ter um olhar atento, de empatia.”