Você, meu caro leitor, agora já sabe que tem sangue quente porque seu cérebro funciona a todo vapor, chupando de canudinho todo o oxigênio que consegue retirar do sangue (o que é muito mais do que os répteis conseguem graças aos seus pulmões de mamífero) e produzindo calor no processo. Bom, de acordo com minha teoria, pelo menos. E a coisa se autossustenta, porque conforme a temperatura do cérebro sobe, a atividade aumenta (coisas de termodinâmica pura: a temperatura acelera tudo o que envolve moléculas), o que produz mais calor, o que aumenta ainda mais a atividade e por aí vai, numa bola de neve.
O cérebro, que já funciona acima da temperatura do resto do corpo, só não se autocozinha porque antes da endotermia (essa produção de calor pelo próprio corpo) acontecer, o cérebro já tinha mecanismos de fazer o corpo perder calor –porque afinal até um lagarto adormecido ao sol também pode esquentar demais.
Eu vivo insistindo que nenhuma forma de vida precisa ser assim ou assado, mas é claro que algumas coisas têm, sim, benefícios. Dispor de tanto oxigênio no sangue que dá para manter o cérebro funcionando o tempo todo a todo vapor tem uma vantagem clara: cognição autorreferente constante, que só some justamente quando a circulação do cérebro diminui (outro buraco de coelho, prometo que para em breve). Anoiteceu e ficou frio? Não importa, você consegue continuar andando, caçando e comendo. Há quem diga que foi assim que os primeiros mamíferos sobreviveram aos dinossauros, ativos na calada (e no frio) da noite.
Tem seu custo, claro. O primeiro é óbvio, e enorme: enfiar o pé no pedal mesmo sem marcha engrenada aumenta o consumo de energia, e mamíferos e aves usam cerca de 20 a 30 vezes mais energia por dia do que répteis de mesmo tamanho. Mas tem outro custo, que eu acho que ninguém havia notado, justamente porque a lógica reinante é a da necessidade. Com um cérebro que custa mais energia, o corpo fica fadado a ser menor.
Seguinte: é fato que mamíferos e aves têm um cérebro relativamente maior do que répteis para o tamanho do seu corpo. A explicação para essa “encefalização” dos animais endotérmicos sempre foi adaptacionista, com gente boa se esforçando para encontrar algum problema que só um cérebro relativamente maior resolva. Aqui eu lembro, mais uma vez, que os répteis vão muito bem, obrigado, com seu cérebro relativamente pequeno.
Minha explicação, ao contrário, é que a tal encefalização é resultado não de um cérebro aumentado, mas de um corpo reduzido, consequência do maior custo de um cérebro que chupa mais energia para si. Conforme minha teoria, um cérebro que recebe mais oxigênio usa mais oxigênio, e depois que ele atinge seu tamanho adulto, ou cada grama de cérebro continua recebendo um certo tanto, ou ele fica inconsciente.
O problema é que conforme o corpo cresce, a taxa de circulação do sangue por cada grama do cérebro diminui, questão de física pura. Minha teoria prediz, portanto, que todo cérebro endotérmico só deixa o corpo crescer até o limite que ainda mantém o cérebro funcionando: se o cérebro custa mais caro, o corpo cresce menos e fica menor. É mais ou menos como descobrir que com o motor do carro acelerado o combustível não rende mais a semana toda. Mas o carro ainda anda, então… tá bom, não?
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